Dogmas, bóias e cientificismo

Adquiri um vício orante pessoal, que me recoloca no cerne cristão: sempre que invoco a omnipotência divina acrescento, para não esquecer, “omnipotente… no amor”.

 

J. C. Paiva, Dogmas, bóias e cientificismo. Site PontoSJ. 25 de maio de 2018. Disponível em

https://pontosj.pt/opiniao/dogmas-boias-e-cientificismo/

 

 

Dogmas, bóias e cientificismo

A palavra dogma, como todas as palavras, a bem dizer, carrega consigo uma carga forte e múltiplas abordagens. As palavras, neste tema com em tantos outros, são sempre tentativas, aproximações… São importantes (as palavras), mas é bom estarmos conscientes da precariedade do artesanato léxico.

Na sua raiz etimológica grega, que não é necessariamente a mais relevante, a palavra dogma remete-nos para uma crença, uma opinião ou mesmo uma aparência. Em religião, e no caso católico, em particular, o dogma assume um lugar mais intenso e afirmativo, mesmo assim não isento de ambiguidades. São entendidos como dogmas as “verdades de fé” estruturais, intrinsecamente imutáveis mas que foram sendo desbravadas e explicitadas ao longo do tempo na história e na tradição da Igreja. Existe, portanto, na sua génese, um traço de dinamismo retroativo, desde logo, na própria edificação da dogmática, que pode ser igualmente emprestado ao presente e ao futuro. É certo que os dogmas não são opiniões teológicas pessoais e são para ser assumidos (principalmente vividos…) pelos crentes católicos, mas a dogmática só na aparência se identifica com rigidez. Rahner vai talvez ainda mais longe quanto a este radical dinamismo dizendo que uma definição dogmática é não só um resultado ou uma conclusão que oferece precisão e clareza mas é principalmente um ponto de partida que tenta ‘dizer’ o inefável.

A analogia com que mais simpatizo para os dogmas é equipará-los a bóias. Neste cenário, a vida seria uma navegação em mar aberto e, por vezes, é preciso bóias para a nossa “salvação”. Há várias bóias a que podemos recorrer. Acreditamos na sua existência, mas é admissível que nos socorramos em conformidade com o nosso estilo e com as nossas necessidades. A dimensão comunitária, já que em Igreja não se aponta à salvação individual mas à salvação de todos (ou melhor ainda, à salvação de Deus), também pode estar presente nesta analogia já que será possível, desejável e agregador, que muitos de nós nos agarremos à mesma bóia.

Arriscaria escrever que há umas bóias mais relevantes que outras, pelo menos em certas fases da vida pessoal, comunitária e da própria história da humanidade e da Igreja. E, convém dizer, há uma bóia primeira, talvez a maior, talvez a mais importante de toda a história da salvação. Essa bóia pode traduzir-se no dogma dos dogmas: “Deus é Amor”. Todos os outros pilares dogmáticos daqui bebem.

Esta bóia de salvação é uma assunção que alguns de nós entendem assumir sem discussão, como bóia mas quase como “amarra”. É uma prisão escolhida e, paradoxalmente, uma porta de liberdade. Se tenho fé, é porque me foi oferecida a possibilidade de viver apoiado num pressuposto assumido de que Deus existe e é um Deus de amor, de relação. Não quero, deliberadamente, navegar sem esta bóia e este dogma, nas entrelinhas de todos os outros, confere-me liberdade. É a vida e não propriamente a moral, que me convida a esta crença.

Os católicos declaram este dogma basilar no credo que celebram em comunidade, quando dizem “creio em Deus Pai todo poderoso…”. Este Pai (o que é relatado no abraço do filho pródigo) é o próprio amor. Por motivos pedagógicos e para evitar equívocos, confesso que preferia um ajuste semântico-litúrgico no credo, dizendo, antes, “creio em Deus Pai todo amoroso…”.

Uma das linhas de corte colocada em cima da mesa quando se fala de ciência e religião é a questão do dogma. O argumentário de certo ateísmo de contexto científico é o de que a ciência, ao contrário da religião, não se baseia em dogmas mas antes num dinamismo que a tudo se abre e que tudo discute. No seu olhar metodológico, estamos de acordo que a ciência se move num questionamento intrínseco e até num dinamismo de tentativa de falsificação constante das teorias vigentes. Mas no seu essencial, convém dizer, a ciência carece também dos seus “dogmas” de partida. O químico e filósofo Michael Polanyi convida-nos a tomar nota da necessidade daquilo a que chama uma “rede fiduciária” de partida no construto científico, chamando à atenção de que tem que existir uma confiança intrínseca de partida, em certo sentido inquestionável, quando se faz ciência. Numa visão mais histórico-crítico-filosófica podem apontar-se três pilares (dogmas?) para a ciência, o ontológico, o epistemológico e o ético, que se podem reproduzir nesta tríplice afirmação: “a realidade existe, é possível conhecê-la e é bom saber como funciona”.

Num plano diferente estão certas linhas (dogmáticas…) cientificistas. O cientificismo carateriza-se por uma inspiração intelectual de sobrevalorização da ciência e do seu papel social e civilizacional. Não se trata de entender que a ciência é relevante, a vários níveis, para a evolução da humanidade (nisso estamos todos de acordo). É ir um pouco mais além e entender, fomentar e militar a ideia de que a ciência é a melhor via para progredir – a expressão “a melhor” é o busílis. Duas importantes referências contemporâneas para este cientificismo são, no plano filosófico, Daniel Dennett e, no plano prático (por via da Biologia e do evolucionismo), Richard Dawkins.

O mais irónico na “pureza antidogmática” de certa postura cientificista é que há uma aparente tolerância com a diversidade de ideias, a surpresa da natureza e a abertura ao mundo tal qual ele é. Neste sentido, a ciência cientificista, embora em plano de superioridade, dialoga com a cultura e com outros saberes, acomodando a racionalidade artística e outras áreas do conhecimento. Mas tal generosidade tem pelo menos um limite óbvio, que é em si próprio um dogma e que ignora liminarmente a racionalidade teológica: não há espaço para o diálogo com a religião, tida apenas como um inimigo a (com)bater.

Do meu lado, sem complexos, assumo os meus dogmas, que são os dogmas trazidos no barco da tradição da Igreja, vividos, ditos e reditos no dinamismo das palavras, preservando a sua essência basilar. Por algum motivo, foco-me no dogma principal. Adquiri um vício orante pessoal, que me recoloca no cerne cristão: sempre que invoco a omnipotência divina acrescento, para não esquecer, “Deus omnipotente… no amor”. Posto isto, com os outros, com a realidade, com o mundo e com a ciência, todos os diálogos e possibilidades são viáveis e desejáveis. Agostinho sintetizou-o bem em pouquíssimas palavras: “ama e faz o que quiseres”.

JP in Ciência Espiritualidade Textos 18 Março, 2019

ciência e seus benefícios

As críticas que tenho vindo a fazer ao fundamentalismo cientificista não devem sombrear as potencialidades da ciência e da tecnologia no progresso da humanidade. Há questões muito sensíveis e cruciais nos nossos tempos para as quais grande parte dos caminhos solucionais pode passar pela ciência. Inovações científico-tecnológicas que nem sonhamos, podem alavancar a resolução de problemas muito reais e fraturantes como a questão energética, o aquecimento global, o problema alimentar ou a escassez de água potável.

JP in Ciência Frases 22 Fevereiro, 2019

regulação de nascimentos, química e natureza

Uma radical e não dinâmica interpretação da encíclica Humanae Vitae pode cristalizar numa posição segundo a qual só é moralmente aceitável a anticoncecionalidade que recorre aos chamados métodos naturais. Talvez não tenha que ser assim…

 

J. C. Paiva, Regulação de nascimentos, química e natureza. Site PontoSJ (que se recomenda…). 20 de abril de 2018.

https://pontosj.pt/opiniao/regulacao-de-nascimentos-quimica-e-natureza/

 

 

Regulação de nascimentos, química e natureza

Alguns dos aspetos da proposta moral católica têm tido obstáculos acutilantes nos últimos tempos. Em parte, porque há uma tendência intrínseca, externa à Igreja, para certo modernismo ou vanguardismo, ou mesmo porque sociologicamente se regista uma apropriação pouco aprofundada, com base apenas nos comportamentos da maioria. Outra fatia da responsabilidade, porventura significativa, tem a ver com dificuldades de reflexão, elaboração e comunicação a partir do seio da própria Igreja. No caso da moral sexual, a situação é particularmente frágil.

É bom notar que a moral cristã terá de ter sempre o seu toque radical e exigente, não fosse inspirada nos critérios próprios de Cristo. A Doutrina Social da Igreja, para convocar um exemplo simples e óbvio, é de uma grande exigência e vai claramente contra a corrente na sociedade consumista e individualista em que vivemos. Talvez seja, porém, mais bem comunicada, mais cristãmente essencial e mais consensual do que muitas frentes da chamada ‘moral sexual’.

Um dos reflexos destas dificuldades comunicativas é que na mente de muitos ouvintes, incluindo os cristãos, se coloca ‘tudo no mesmo saco’. E, tipicamente, considera-se o saco de tal forma esquizofrénico em relação ao mundo atual, que se ignora, pura e simplesmente, tudo o que é proposto. A elaboração poderia ser colocada nestes termos: “sobre padrões ético-sexuais, as propostas católicas são de tal forma mal apresentadas e desproporcionadas, que não consigo sintonia, elaboro (ou não elaboro…) os meus próprios critérios e atuo e opino na minha conformidade personalista.”

Em particular, no horizonte, fica a séria possibilidade de, por exemplo, serem consideradas ao mesmo nível de (i)relevância: a) o aborto; b) as relações sexuais pré-matrimoniais e c) a anticoncecionalidade. A surdez generalizada, face a tamanho descalabro de quem clama no deserto, é muitas vezes equivalente em relação a estes três aspetos. Deixaremos para outra reflexão a nossa opinião inegociável sobre a condenação radical do ato abortivo. Registamos também algum valor para as entrelinhas positivas de potencial valor do segundo aspeto: critérios de proporcionalidade na linguagem sensual/sexual, clareza da primazia do amor, balanceamento de verdade entre o que se é e o que se diz com o corpo e incondicionalidade de assunção das consequências de qualquer entrega. Há aqui uma simpatia por certa formulação realista e igualmente exigente, num formato do género “diz com o teu corpo, na justa proporção, a verdade que és. E podes usar como medida da tua entrega a preparação para receber e acolher da circunstância tudo o que se possa gerar, de cumplicidade e de vida”.

A questão da regulação dos nascimentos é, na nossa opinião, mais complexa. Uma radical e não dinâmica interpretação da encíclica Humanae Vitae pode cristalizar numa posição segundo a qual só é moralmente aceitável a anticoncecionalidade que recorre aos chamados métodos naturais. Sobre este assunto, ocorrem-nos os seguintes aspetos:

1- O duplo sentido associado às relações sexuais num casal tem coerência interna sólida: os teores unitivo e procriativo daquela entrega amorosa de corpos são coerentes com a antropologia cristã e os insights bíblicos de certa cosmovisão, que a Igreja oferece e edifica.

2- A ideia de que só “a natureza” garante uma gestão responsável e moralmente enquadrável é muito discutível. Pode até haver certa simpatia pelos métodos naturais, do mesmo modo que se aprecia passeios nas montanhas e produtos biológicos na alimentação. Isto é, os argumentos não têm qualquer vínculo moral e estão até mais perto de uma posição algo hippie face à vida e aos recursos naturais.

3- É cientificamente muito discutível, extravasando o plano moral, a ideia segundo a qual “o que é natural é bom”. A química dá-nos boas respostas: o veneno de uma rã azul venenosa da austrália é natural, muito natural… mas mata um humano em poucas horas, mesmo que em doses pequeníssimas. Também a cafeína ou o álcool podem ser extraídos de produtos naturais, porém, ingeridos em grandes quantidades, podem igualmente matar. A exposição ao Sol em horas impróprias e em grande extensão, Sol ‘natural’, bem entendido, também pode fazer muito mal… Os exemplos são infindáveis mas centram-nos bem na constatação de que as interações que estabelecemos com a realidade são físico-químico-biológicas e seria frágil pensar que há átomos ou moléculas naturais e átomos ou moléculas artificiais ou (mano/nano)facturados. São as mesmas entidades atómico-moleculares em contextos diferentes…

4- Compreender-se-ia mal que uma dor de cabeça curada com aspirina (fruto da Graça, através do trabalho intelectual, científico e tecnológico de gerações sucessivas) tivesse menos valor moral do que se fosse curada com um produto natural com ácido acetilsalicílico… A tecnologia, neste contexto, é irrelevante e sem qualquer indução ética. Da mesma forma, não tem sentido hipervalorizar o ‘natural’ como supremacia moral, incluindo na contracepção.

5- Poderá haver casais que se sentem bem e em progresso com o recurso exclusivo a métodos naturais, quer pelas simpatias ecológicas da situação, quer por certa disciplina rotinada de contenção que entendam como positiva ou por outros fatores que considerem equilibrantes. Mas sem superioridade moral.

6- A abertura ou fechamento à vida é a mesma, precisamente a mesma, quando se tenta acertar com um período não fértil da mulher ou quando se usa um preservativo. As contas do método podem errar e o  preservativo pode estar mecanicamente avariado. Se resultar uma vida, ambos os casais terão de viver a tensão ética de acolher ou não o filho e o casal é inequivocamente convidado a dizer sim.

7- Também a ofensa ao primado do amor pode ser praticada com ou sem a natureza: é igualmente reprovável usar preservativos “a torto e a direito”, coisificando outros, como forçar uma relação sexual, porque é “dia sim” na regulação natural.

8- Valeria a pena, a este propósito, a Igreja usar o seu “tempo de antena sobre o assunto” com uma argumentação sólida, exigente e eticamente estruturada que propusesse aos casais cristãos o uso de métodos anticoncepcionais não abortivos.

9- Detalhar excessivamente a questão da regulação dos nascimentos incorre numa linha quase ridícula de “prescrevisionismo”. No limite caricatural, pode perguntar-se sobre a validade moral de certos detalhes íntimos, como as posições de cópula…

Em todos os casos, parece-nos existir um caminho e um progresso óbvio nestas questões: por mais confortável que possam ser as posições rígidas, formalistas e legalistas, que não oferecem nuances e mantêm firmes e hirtos os seus militantes, há que apostar na formação dinâmica das consciências. Não para que tudo se relativize e se perca a radicalidade da proposta cristã, mas para que se incorporem e se resignifiquem as escolhas com base numa pedagogia não moralista. Para que nos embalemos na tradição (crítica) da Igreja, sem subtrair o primado da validação misericordiosa e contemplando a avaliação positivamente subjetiva de cada caso, de cada discernimento, de cada história, de cada terreno sagrado humano…

 

JP in Ciência Educação Textos 18 Fevereiro, 2019

“casa comum” – a síntese das sínteses

Podem apontar-se três sínteses fundamentais para os nossos tempos: a síntese da transcendência, por via da mística, a síntese da humanidade, por via da ética e a síntese cósmica, por via ecológica. A visão do Papa Francisco sobre a nossa “casa comum”, de alguma forma, faz a síntese destas três sínteses: é que o apontamento ecológico de Francisco contém mas supera a ecologia natural, incluindo, por isso, no “ser ecológico”, o “ser humanista”, o “ser transcendente”, o “ser social” e, assim, o “ser cósmico”.

JP in Ciência Educação Espiritualidade Frases 14 Fevereiro, 2019

cem mil milhões

Cem mil milhões, como escala de grandeza, é um número simbólico no Universo: há (cerca de…) cem mil milhões de galáxias, cada uma com (cerca de) cem mil milhões de estrelas. Há (cerca de) cem mil milhões de neurónios num cérebro humano. Há (cerca de) cem mil milhões de conformações possíveis (orientações relativas dos átomos) em muitas proteínas…

JP in Ciência Frases Química 4 Fevereiro, 2019

acaso e necessidade…

No seu mistério amoroso, permito-me imaginar que o nosso Deus, que não quis ser marioneteiro, arriscou tecer – está a tecer – em fios de acaso e necessidade.

O astrónomo Jesuita George Coyne, disse a este propósito: “Dois átomos de hidrogénio encontram-se no início do universo. Por necessidade (leis da combinação química), eles estão destinados a tornarem-se uma molécula de hidrogénio. Mas por acaso, as condições de temperatura e pressão naquele momento não são as que permitem a combinação. Os dois átomos movem-se no universo até que finalmente se combinam. E há triliões e triliões destes átomos no mesmo processo. Pela interacção de acaso e necessidade forma-se muitas moléculas de hidrogénio as quais, finalmente, se combinam com moléculas de oxigénio tornando assim possível a água, e assim por diante, até chegarmos a moléculas muito complexas e, finalmente, aos organismos mais complexos que a ciência conhece: o cérebro humano”.

Teilhard de Chardin, a síntese e a totalidade cósmica

Deus criou e está a criar o Cosmos, para que o Cosmos, incluindo-nos, seja!

J. C. PaivaTeilhard de Chardin, a síntese e a totalidade cósmica. Site PontoSJ (que se recomenda…). 7 de dezembro de 2018.

https://pontosj.pt/opiniao/teilhard-de-chardin-a-sintese-e-a-totalidade-cosmica/

 

Teilhard de Chardin, a síntese e a totalidade cósmica

 

Pierre Teilhard de Chardin nasceu em Orcines, França, em 1881 e morreu em 1955 nos Estados Unidos da América. Padre jesuíta e paleontólogo, estudou na Sorbonne e ensinou em Paris mas em 1922 é enviado para a China, certamente também pela inconveniência dos seus escritos, principalmente em relação ao pecado original. As suas ideias foram proibidas de ensinar nos institutos católicos mas a sua obra e influência pós-morte é notável, sendo reconhecidamente influenciador do Concílio Vaticano II. Foi reabilitado pelos papas João Paulo II, Bento XVI e Francisco.

Precisamente por não ser um verticalizante teólogo, filósofo ou cientista, mas um mestre na síntese horizontal destes vetores, Chardin é um autor incontornável. Se somarmos a sua argúcia e ousadia extrema (para a época em que escreveu) ao seu ser místico, estamos diante de alguém crucial e muito relevante na Igreja mas, em certo sentido, difícil de acompanhar.

O meu amigo P. Alfredo Dinis sj, com quem fiz muito caminho nestas temáticas e a quem presto aqui homenagem, decidiu, nos últimos tempos da sua vida, reler toda a obra de Chardin. Já com a voz caída mas de sorriso alargado e cheio de honestidade, dizia-me: “João, está lá tudo!” (na obra de Chardin, bem entendido…). Estas palavras do Alfredo, porque as sinto na mente e no coração, dão bem conta do potencial deste autor e místico do século passado.

A amplitude da obra e daquilo que está também por interiorizar na vida Cristã, tornam quase ridículo um artigo de poucas linhas sobre alguns dos seus horizontes. Consciente da largueza do que representa Chardin, permito-me um ligeiro alinhamento, quase telegráfico, de algumas ideias fortes do seu pensamento. Reproduzo aqui aquilo que tem vindo a ser mais relevante para mim, já perpassado pela subjetividade de uma leitura necessariamente pessoal. Recomendo, para aprofundamentos ulteriores, as suas vastas obras e/ou os trabalhos de associações à volta desta figura ilustre (ver, por exemplo: Associação dos Amigos de Pierre Teilhard de Chardin em Portugal ).

1- Chardin pode ser sintetizado na ideia charneira de um Deus que cria evolutivamente ou que evolui criativamente… Compreende-se porque o chamaram (e perseguiram como) panteísta: o Universo é divinizador, divinizante e divinizável. Ele próprio quis reabilitar um certo “panteísmo cristão”, sublinhando que o Deus revelado em Jesus Cristo, não se confundido com a natureza, nela está radical e evolutivamente “empapado” (palavras minhas): Deus criou e está a criar o Cosmos, para que o Cosmos, incluindo-nos, seja! As suas referencias a um “Cristo cósmico” são o resultado de uma osmose positiva no alinhamento: antropogénese, cosmogénese, biogénese, cristogénese.

2- Chardin rejeita o tomismo da substância ser “o crucial”. A este substancialismo, propõe-nos uma alternativa a que poderíamos chamar relacionista-evolutiva: incorpora-se o tempo, a mudança e a relação como constituintes de Deus e dos homens.

3- Chardin talvez seja um filósofo da globalização. A sua fidelidade à terra (curiosamente uma expressão de Nietzsche) coloca no centro a unidade evolutiva entre o Cosmos e a consciência da humanidade tomada na sua unidade. A evolução, para ter sentido, tem de fazer convergir e o amor é a força-impulso deste movimento.

4- São de Chardin as ideias de que o Deus do ‘em frente’ supera o Deus do ‘em cima’. Sem prejuízo da transcendência, enfatiza-se uma horizontalidade muito humana (e Cristã, diria eu) e que nos convida a evitar os moralismos.

5- Chardin teve um forte investimento na reteologização do pecado original. Mais do que uma falha em certo instante da história, o pecado original é evolutivamente constitutivo. Relaciona-se com o mau uso da liberdade humana, amorosamente “arriscada” por Deus, querendo dizer principalmente que a criação acarreta falta, fragilidade intrínseca e custo. De arrasto com o problema do pecado original, Chardin dá subsídios novos para rever teologicamente o mal e a cruz, assim tomados no seu dinamismo evolutivo e, crucialmente, tonificados por uma vida que valha a pena viver. Podemos dizer que com Chardin se pode abrir uma visão menos “pessimista” do pecado original, não esquecendo nunca o contexto de um Deus que “viu que era Bom”…

6- Desconheço sínteses mais libertadoras sobre a complexa tensão entre a totalidade e a singularidade do que a obra, em si mesmo, de Chardin. Diz ele: “A preocupação com o Todo tem as suas raízes no fundo mais secreto do nosso ser. Por necessidade intelectual – por carência afectiva – por impressão direta, quiçá, do Universo, somos essencialmente levados, a cada instante, à consideração do Mundo, tomado na sua totalidade”. É verdade que Cristo, é, Ele mesmo, para nós e para Chardin, esta mesma síntese.

7- Chardin teve também rejeições da comunidade científica (não apenas do lado religioso, portanto). Compreende-se tal pois o seu lado místico cria ruído cognitivo a quem está do lado de fora da fé. Embora Chardin tente uma lucidez e uma linguagem universais, é certo que será preciso ter fé para entender Chardin (mais do que conhecer Chardin para ter fé). Mas será que não precisamos de fé para entender “por dentro” seja o que for?…

8- Juan González de Arintero, no final do século XIX, afirmava que havia que fazer com a teoria da evolução de Charles Darwin o que Tomás de Aquino fez com Aristóteles. Chardin, para mim, foi o obreiro desse trabalho. À boa maneira chardiana, reformulo: “Chardin está a ser o obreiro desse trabalho”… pois que, da sua obra, há muito ainda para compreender, extrair e incorporar na vida dos Cristãos!

JP in Ciência Espiritualidade Textos 18 Janeiro, 2019

A insustentável leveza da incompatibilidade entre ciência e religião

“A insustentável leveza da incompatibilidade entre ciência e religião”

O deus em que não acredita Peter Atkins é inacreditável: ainda bem que ele é não crente nesse deus e eu, com entusiasmo, acompanho-o nesse ‘ateísmo’.

Artigo completo em

https://www.publico.pt/2018/12/09/ciencia/opiniao/-insustentavel-leveza-incompatibilidade-ciencia-religiao-1853629

Homem e(é) animal…

É fraturante, no campo da antropologia, da biologia, da filosofia e de muitas outras áreas, a questão de saber se o Homem é “apenas” um animal mais evoluído. Isto é, se a diferença é apenas de grau, quantitativa, ou se há uma nuance de qualidade. Pessoalmente, entendo que o que distingue o homem é um espaço próprio de consciência. O homem sabe que é… Nas entrelinhas, posto isso, há na espécie humana um lastro de possibilidade de reconhecer um Criador, de alvitrar transcendência…

PS: …E nada contra a proteção dos animais (exageros à parte), que são elementos da criação, na proporção exacta do apontamento humanista, que sempre privilegia, justamente, a criatura humana.

JP in Ciência Espiritualidade Frases 4 Dezembro, 2018

relatividade e relativismo

Convém não confundir: a (teoria da) relatividade convida-nos a um outro olhar sobre o tempo que, como o espaço, se manifesta relativo, dependente de várias circunstâncias, não absoluto. Mas o relativismo (moral e filosófico), sem referências a nada absoluto, é outra coisa. Nem a analogia entre relatividade e relativismo é simpática pois na teoria da relatividade permanecem absolutos, como a velocidade da luz…

JP in Ciência Frases 20 Novembro, 2018