primado da (des)confiança
Paira sempre uma certa desconfiança existencial, por via da fragilidade, do sofrimento e até da morte que espreitam e se antecipam. A fé é o avesso disto, é o primado da confiança, apesar do que falta…
Paira sempre uma certa desconfiança existencial, por via da fragilidade, do sofrimento e até da morte que espreitam e se antecipam. A fé é o avesso disto, é o primado da confiança, apesar do que falta…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Act 1, 1-11
«Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».
O Céu – escrito assim com um ‘C’ grande – supera qualquer realidade física, simbolizando uma ‘lugar-outro’, fora deste tempo e deste espaço, que nos transcende amorosamente. É verdade que nas possíveis hermenêuticas passadas e algumas ainda presentes, marcadas por uma compreensível aproximação menos sistémica, o Céu e o céu espacial se confundiam, numa cosmovisão teológica ingenuamente realista. Hoje, com vantagem para os crentes, diria, ainda que sem superioridade nem histórica nem cultural e com a mesma consciência da nossa cegueira, o Céu que importa é o da esperança. Jesus, precisamente a esperança dos cristãos, está lá e está cá, foi elevado e virá. Foi, é, será e, principalmente, está a vir, também na minha vida, também com as minhas mãos…
DEUS
Parti da aridez
do deserto.
Saltei para
o escuro.
Apostei sem ver.
Mergulhei
em mar
de dúvida.
Procurei.
Progredi apalpando
e sem sentir.
Pensei, forcei
caminhei
de olhos vendados.
Eis que caio
num banho de
mel.
Quente,
sensual,
real.
Mais óbvio que eu.
Setenta vezes
os cinco sentidos.
Certeza
Deus.
Ele, que sempre
estivera,
era mais forte
que tudo.
…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
acessível aqui
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se 1 Cor 12, 31
«Agora permanecem a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade»
As “trilogias” no cristianismo são muito frequentes (desde logo a centralidade no Pai, no Filho e no Espírito Santo…). Fixemo-nos nesta tão conhecida do apóstolo Paulo, “fé, esperança e caridade”. Para melhor ajuste linguista contemporâneo, podemos “traduzir” caridade por amor, e tomar esta tríade como verdadeira lupa de avaliação crítica e modo de ação. A pergunta crucial: nas minhas relações, cresce a fé, a esperança e o amor? na minha família, cresce a fé, a esperança e o amor? na minha vida, cresce a fé a esperança e o amor?… sabemos, sentimos e experimentamos, que muitas vezes, nos falta fé e esperança. Mas o ‘maior de tudo’, sempre possível de ensaiar, é o amor…
PRESENTE NA FALTA
Pela falta
sinto-te presente.
Falta o teu
calor de sorrisos
a tua voz
de vida.
Falta o teu cheiro
perfume
as tuas mãos
delicadas.
Faltam os teus
lábios belos e
teus cabelos
de cor.
Por não estares
te sinto tanto,
e só não desato
em pranto,
por saber do
nosso amar.
Assim saboreio
com gosto
o que seria
desgosto
se não fosse
acreditar.
…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
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ESPERAVA TUDO…
Esperava tudo
da vida
menos sofrer
de paixão!
Esperava tudo
menos respirar
dificilmente.
Esperava tudo
da vida
menos esta partida
de não me conhecer.
Sou criança.
Não sei
escrever poemas
sem nenhum
verso de esperança.
…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
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GRITAR SOLIDÃO
Grito daqui,
do antro
da solidão!
Grito os sonhos
perdidos,
despido
da história
que vi gravada
no tempo!
Grito saudade,
grito silêncio!
Grito baixinho.
Fixo-me
naquela esperança
que me esconde
o abismo
que não existe!
in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
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POMBA BRANCA
Pomba branca
indecisa.
Nem voas, nem partes
nem ficas, nem vais.
Vejo-te
quieta nesse lugar.
Olho-te
capaz de imaginar.
Vejo-te
pomba branca
praticamente no ar.
in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
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