Graça
Von Baltahsar sublinha a importância da Graça, “espetacular e despudorada”, nas suas palavras. A fé é sempre reconhecer um amor que já nos rodeia e habita.
Von Baltahsar sublinha a importância da Graça, “espetacular e despudorada”, nas suas palavras. A fé é sempre reconhecer um amor que já nos rodeia e habita.
Reconhecer-se reconhecido ultrapassa a autoestima. Para este processo é condição necessária uma dádiva prévia, uma confiança, um ato de amor, desde a barriga da Mãe, ao afecto de alguém, a poder mamar e agarrar. Quando reconhecer-se reconhecido se torna existencial, aí estamos no ventre do Cosmos, no centro da Graça, no essencial de um grande Encontro, que nos contém mas nos transcende…
O tempo que nos é dado, agora para teclar, imaginar e criar a saudade do futuro, é, desde logo, uma enorme Graça.
A dádiva, no seu sentido mais profundo, não inclui, do lado de quem a recebe, uma lógica de menu: ao recetor da dádiva não compete escolher mas, tão só, acolher.
Se não peço o que pedincharia, pois fito a graça maior: de tomar para mim internamente apenas o desejo de ter o mesmo desejo do “qualquer coisa Outro”, que só sabe amar e criar…
Uma boa graça a pedir – sempre melhor que pedinchar – é a de me assustar menos face ao que falta, dentro de mim, fora de mim e no mundo. A confiança reside aqui: o que falta é matéria prima da obra que se vai esculpindo…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 22, 1-14
Uma reflexão que podemos fazer, a partir desta parábola, é esta: “que convidado sou”? Certamente cada um de nós é um pouco dos dois estilos: ora ingrato, não aproveita os convites para o banquete, desperdiçando graça e aventura, ora, por outro lado, não sendo digno de convite, lança-se e aceita o convite do Senhor, desfrutando da abundância. Cientes de que somos convidados mais por graça de quem nos convida e nos pesca na encruzilhada da vida, do que pelos nossos méritos, vamos ao banquete do Senhor. O ambiente da festa é a abertura ao encontro e a fecundidade que brota… E não esqueçamos o traje nupcial, que é precisamente a caridade…
A carência, é, definitivamente, o fulcro e até a alavanca da fé (como pano de fundo, bem entendido, está a Graça). Trata-se de uma carência amparável, o que demonstra a própria vida, apelando a uma fé, assim, exequível…
Uma das inversões mais urgentes na prática religiosa cristã (que afeta significativamente a liturgia e as clássicas orações de petição) é a de assumir radicalmente que a graça é abundante e constante, que Deus “grita”! Vivemos numa atmosfera de graça (às vezes uma lufada, outras vezes mais abafado, mas sempre graça a respirar). Temos é dificuldade em reconhecer essa abundância, como o peixe não se reconhece molhado. E essa abertura e reconhecimento, essa mística de olhos abertos, importa pedir…
Liberdade
Rubicão da liberdade
é sacudir a circunstância.
Intrincar-se na ponte
entre a soledade
(que mora dentro de mim)
e a jornada que vivo.
Uma e outra,
a essência interior
e a realidade oferecida,
são dádivas garantidas.
2018