morrer
Morrer
Não quero
Senão morrer!
ser trigo,
ser nada,
ser tudo.
Quero ser
somente (semente?),
vazio,
cheio
de mundo.
Eu quero
ser silêncio,
dar nada (que sou),
morrer.
Quero parar,
deitar-me,
passivo,
em paixão,
ao lado
dos homens,
sem respirar.
Inspirando,
inspirado
pelo amor.
o amor move…
O AMOR MOVE…
O Amor faz mover
passos gigantes.
Move rios
move mares
move as gaivotas nos ares.
O Amor constrói cidades
move o Sol
e as tempestades
move castelos no ar.
Ai o que move o amor!
Move até uma flor
quieta no seu lugar.
in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.
acessível aqui
pó
Pó
Esmagado pelo pó.
Garganta entupida
do pó que sou.
Pó de amanhã…
Ser pó, ser pouco
me empurra
para um sentido novo
de formas mais sólidas.
Gostava, nesta manhã
de caminhar
sem medo,
nem do meu pó
…de hoje,
nem do meu pó
…de amanhã.
2010
os Pais dos meus amigos
Os Pais dos meus amigos
Vejo tombar
aos meus amigos
seus Pais.
Ontem baptizados e casamentos,
hoje funerais.
Ontem conheci-os,
anteontem geraram,
hoje funerais.
Seus filhos,
meus amigos,
não os verão jamais.
Hoje funerais.
Meus amigos:
uns com fé,
outros sem coisas que tais,
hoje funerais.
Meus amigos,
que abraço,
choram seus pais,
hoje funerais.
Ontem história,
hoje tempo
Amanhã eterno e mais.
Hoje, funerais.
2010
poesia
Quando não sei o que dizer e como dizer uso a poesia (ou a poesia me usa). É uma inútil e proveitosa dança de palavras, pensamentos e emoções…
dose certa
Na dose certa
Procuro a
minha dose.
Quanto dou?
Que espaço ocupo?
Que tempo tomo?
Às vezes, estou demais,
quase veneno.
Encho com excessivas
palavras.
Melhor fora ser
silencioso solvente.
Outras vezes
devia ser mais presente.
Mais soluto.
Mais concentrado.
Sou micro-escala
quando deveria
gritar ao mundo
uma qualquer injustiça.
Meu sonho?
Ser tónico, não tóxico.
Procuro a
minha dose,
a dose certa…
2011
sonho de Deus
Sonho de Deus
Não se trata
de descartar o meu sonho,
de deixar de ser.
É centrar o meu sonho
no sonho de Deus.
Parece óbvio:
o sonho de Deus,
tecido em vida,
será o meu sonho.
É talvez perder…
É talvez ganhar…
É salvar-se…
É ser-se salvo!
2018
milagre
Milagre
Não tanto
o estranho.
Mais o espanto…
Dimensão de
velha novidade.
Sinal.
Imensidão.
Abundancialidade.
Vulgar
…e banal.
Tácito e
especial.
Cúmplice do tempo.
Vibrante.
Constante…
De admirar:
agora e aqui,
não só no altar…
O (não) silêncio de Deus
O (não) silêncio de Deus
Não é o que
se não explica
que implica
o dedo certo
do criador.
Deus grita
no ordinário
e assim palpita
o necessário:
o traço belo
do seu amor.