Tira as sandálias dos pés porque o lugar que pisas é Terra Sagrada

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Ex 3, 1-6. 9- 12

«Tira as sandálias dos pés porque o lugar que pisas é Terra Sagrada»

Deus apareceu a Moisés que, deparando com uma sarça ardente sem se consumir, avançou para ver. O Senhor, porém, disse-lhe para tirar as sandálias. Vejamos a nossa vida pessoal como um “Moisés” que caminha e se deslumbra com as maravilhas de Deus. A terra que pisamos, porém, é sagrada e sensível. Tirarmos as sandálias é, para nós, hoje, apurar a nossa sensibilidade, sentir o chão, tocar nos outros e, sem solas isoladoras, sentir que é mesmo sagrado o caminho que percorremos. Uma boa oportunidade para revermos, a partir do judaísmo, o nosso conceito de sagrado: o sagrado não está distante, é a terra que pisamos, o espaço que habitamos, tomado como dom…

JP in Espiritualidade Textos 24 Março, 2019

Levar

LEVAR

Trago a

alma

leve

de tesouros

grandes

de amor!

Confiei

que morrer

era este viver

que carrega

suavemente

uma pesada cruz!

Abriram-me

uma porta

tão bela

quanto estreita,

à qual

nem sequer bati…!

…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.

acessível aqui

 

JP in Espiritualidade Poemas 22 Março, 2019

espera da Primavera

Gosto muito da espera da Primavera. Mas gosto, talvez ainda mais, de gostar de gostar da espera da Primavera. Gostar de gostar é desejar o desejo. Será isto voar?

JP in Frases 20 Março, 2019

Dogmas, bóias e cientificismo

Adquiri um vício orante pessoal, que me recoloca no cerne cristão: sempre que invoco a omnipotência divina acrescento, para não esquecer, “omnipotente… no amor”.

 

J. C. Paiva, Dogmas, bóias e cientificismo. Site PontoSJ. 25 de maio de 2018. Disponível em

https://pontosj.pt/opiniao/dogmas-boias-e-cientificismo/

 

 

Dogmas, bóias e cientificismo

A palavra dogma, como todas as palavras, a bem dizer, carrega consigo uma carga forte e múltiplas abordagens. As palavras, neste tema com em tantos outros, são sempre tentativas, aproximações… São importantes (as palavras), mas é bom estarmos conscientes da precariedade do artesanato léxico.

Na sua raiz etimológica grega, que não é necessariamente a mais relevante, a palavra dogma remete-nos para uma crença, uma opinião ou mesmo uma aparência. Em religião, e no caso católico, em particular, o dogma assume um lugar mais intenso e afirmativo, mesmo assim não isento de ambiguidades. São entendidos como dogmas as “verdades de fé” estruturais, intrinsecamente imutáveis mas que foram sendo desbravadas e explicitadas ao longo do tempo na história e na tradição da Igreja. Existe, portanto, na sua génese, um traço de dinamismo retroativo, desde logo, na própria edificação da dogmática, que pode ser igualmente emprestado ao presente e ao futuro. É certo que os dogmas não são opiniões teológicas pessoais e são para ser assumidos (principalmente vividos…) pelos crentes católicos, mas a dogmática só na aparência se identifica com rigidez. Rahner vai talvez ainda mais longe quanto a este radical dinamismo dizendo que uma definição dogmática é não só um resultado ou uma conclusão que oferece precisão e clareza mas é principalmente um ponto de partida que tenta ‘dizer’ o inefável.

A analogia com que mais simpatizo para os dogmas é equipará-los a bóias. Neste cenário, a vida seria uma navegação em mar aberto e, por vezes, é preciso bóias para a nossa “salvação”. Há várias bóias a que podemos recorrer. Acreditamos na sua existência, mas é admissível que nos socorramos em conformidade com o nosso estilo e com as nossas necessidades. A dimensão comunitária, já que em Igreja não se aponta à salvação individual mas à salvação de todos (ou melhor ainda, à salvação de Deus), também pode estar presente nesta analogia já que será possível, desejável e agregador, que muitos de nós nos agarremos à mesma bóia.

Arriscaria escrever que há umas bóias mais relevantes que outras, pelo menos em certas fases da vida pessoal, comunitária e da própria história da humanidade e da Igreja. E, convém dizer, há uma bóia primeira, talvez a maior, talvez a mais importante de toda a história da salvação. Essa bóia pode traduzir-se no dogma dos dogmas: “Deus é Amor”. Todos os outros pilares dogmáticos daqui bebem.

Esta bóia de salvação é uma assunção que alguns de nós entendem assumir sem discussão, como bóia mas quase como “amarra”. É uma prisão escolhida e, paradoxalmente, uma porta de liberdade. Se tenho fé, é porque me foi oferecida a possibilidade de viver apoiado num pressuposto assumido de que Deus existe e é um Deus de amor, de relação. Não quero, deliberadamente, navegar sem esta bóia e este dogma, nas entrelinhas de todos os outros, confere-me liberdade. É a vida e não propriamente a moral, que me convida a esta crença.

Os católicos declaram este dogma basilar no credo que celebram em comunidade, quando dizem “creio em Deus Pai todo poderoso…”. Este Pai (o que é relatado no abraço do filho pródigo) é o próprio amor. Por motivos pedagógicos e para evitar equívocos, confesso que preferia um ajuste semântico-litúrgico no credo, dizendo, antes, “creio em Deus Pai todo amoroso…”.

Uma das linhas de corte colocada em cima da mesa quando se fala de ciência e religião é a questão do dogma. O argumentário de certo ateísmo de contexto científico é o de que a ciência, ao contrário da religião, não se baseia em dogmas mas antes num dinamismo que a tudo se abre e que tudo discute. No seu olhar metodológico, estamos de acordo que a ciência se move num questionamento intrínseco e até num dinamismo de tentativa de falsificação constante das teorias vigentes. Mas no seu essencial, convém dizer, a ciência carece também dos seus “dogmas” de partida. O químico e filósofo Michael Polanyi convida-nos a tomar nota da necessidade daquilo a que chama uma “rede fiduciária” de partida no construto científico, chamando à atenção de que tem que existir uma confiança intrínseca de partida, em certo sentido inquestionável, quando se faz ciência. Numa visão mais histórico-crítico-filosófica podem apontar-se três pilares (dogmas?) para a ciência, o ontológico, o epistemológico e o ético, que se podem reproduzir nesta tríplice afirmação: “a realidade existe, é possível conhecê-la e é bom saber como funciona”.

Num plano diferente estão certas linhas (dogmáticas…) cientificistas. O cientificismo carateriza-se por uma inspiração intelectual de sobrevalorização da ciência e do seu papel social e civilizacional. Não se trata de entender que a ciência é relevante, a vários níveis, para a evolução da humanidade (nisso estamos todos de acordo). É ir um pouco mais além e entender, fomentar e militar a ideia de que a ciência é a melhor via para progredir – a expressão “a melhor” é o busílis. Duas importantes referências contemporâneas para este cientificismo são, no plano filosófico, Daniel Dennett e, no plano prático (por via da Biologia e do evolucionismo), Richard Dawkins.

O mais irónico na “pureza antidogmática” de certa postura cientificista é que há uma aparente tolerância com a diversidade de ideias, a surpresa da natureza e a abertura ao mundo tal qual ele é. Neste sentido, a ciência cientificista, embora em plano de superioridade, dialoga com a cultura e com outros saberes, acomodando a racionalidade artística e outras áreas do conhecimento. Mas tal generosidade tem pelo menos um limite óbvio, que é em si próprio um dogma e que ignora liminarmente a racionalidade teológica: não há espaço para o diálogo com a religião, tida apenas como um inimigo a (com)bater.

Do meu lado, sem complexos, assumo os meus dogmas, que são os dogmas trazidos no barco da tradição da Igreja, vividos, ditos e reditos no dinamismo das palavras, preservando a sua essência basilar. Por algum motivo, foco-me no dogma principal. Adquiri um vício orante pessoal, que me recoloca no cerne cristão: sempre que invoco a omnipotência divina acrescento, para não esquecer, “Deus omnipotente… no amor”. Posto isto, com os outros, com a realidade, com o mundo e com a ciência, todos os diálogos e possibilidades são viáveis e desejáveis. Agostinho sintetizou-o bem em pouquíssimas palavras: “ama e faz o que quiseres”.

JP in Ciência Espiritualidade Textos 18 Março, 2019

Enquanto orava, alterou-se o aspecto do Seu rosto

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 9, 28b-36

«Enquanto orava, alterou-se o aspecto do Seu rosto»

A transfiguração de Jesus é algo que fascina e perturba os Seus companheiros, como nos fascina e perturba também a nós. A transfiguração simboliza uma passagem, uma ponte, uma Páscoa, entre o provisório e o definitivo, entre o humano e o divino, entre “o hoje” e “o sempre”, de alguma forma, entre a transcendência e imanência. Uma ideia que podemos levar para a vida, é o entendimento de que vivemos para, também nós, nos transfigurarmos. Pelo amor, pela forma como olhamos e vivemos, cada um de nós se vai transfigurando e vai sendo ator da transfiguração do mundo, querida e sonhada por Deus…

JP in Espiritualidade Textos 16 Março, 2019

fé cristã

De quando em vez, vale a pena atualizar o esforço de tentar dizer em poucas palavras a nossa fé cristã. Por exemplo: “arriscar apoiar-se vivendo na base de um Deus-Amor, revelado em Jesus, em imersão comunitária”.

 

JP in Espiritualidade Frases 14 Março, 2019

ser professor(a) é uma missão

Emprego a palavra «missão» aqui com particular acutilância. Trata-se da empreitada de ser construtor de um mundo melhor, só atingível através da entrega apaixonada, empática e voluntariosa, quase ao jeito sacerdotal de outras missões. Não colhi nos livros esta convicção, apesar dos textos que conheço sobre a problemática da qualificação associada ao desenvolvimento. Radica antes na experiência sensível, que associo a trabalhos de solidariedade social onde me vi envolvido com famílias degradadas, jovens toxicodependentes ou crianças delinquentes. Depois de largas horas empregues a recuperar a casa, outras infra-estruturas e alguma dignidade a pessoas carenciadas a vários níveis, regressei à minha vida anterior. Foi curioso ver o resultado do «lustro» puxado a essas pessoas. Mas, muitas vezes, voltei mais tarde e vi… muitas coisas na mesma. Não fora tempo desperdiçado; algo ficara, porque muito não se vê, mas havia em mim um vazio que, ironicamente, me mostrava a importância da escola: a raiz mais óbvia daquelas fragilidades era, precisamente, a baixa educação. O caminho deveria ser, em absoluto, esta «missão»: mais e melhor educação.

JP in Educação Frases 12 Março, 2019

Esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 4, 1-13

«Esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado»

Em início de tempo de Quaresma (preparação para a Páscoa), somos confrontados com as tentações ocorridas no deserto da vida de Jesus. Ele experimenta com forte intensidade os convites tentadores à honra, ao poder e à glória. Como cada um de nós… Mais do que na interioridade, na intelectualidade e nos sonhos (embora também importe), é no quotidiano que estes desertos se nos deparam, quando queremos ser reconhecidos forçadamente, quando queremos ‘mandar’, quando queremos ser o centro. A preparação para a grande ponte (entre a morte e a vida), que é a Páscoa, carece desta consciência de deserto, o deserto da nossa auto-centralidade…

JP in Espiritualidade Textos 10 Março, 2019

Igreja e sinal eficaz

A Igreja, no seu confronto autocrítico sistemático, tem de se atravessar constantemente na pergunta: estamos a ser instrumento de sinal eficaz de Cristo para o mundo?

JP in Espiritualidade Frases 8 Março, 2019

religião e religiões

Nunca foi tão urgente como hoje a abertura francamente dialogante às outras linguagens e aos outros olhares sobre o mundo. Diz bem Justin Smith, grande historiador das religiões: “quem só conhece a sua religião não sabe o que é a religião…”

JP in Espiritualidade Frases 6 Março, 2019