tira primeiro a trave da tua vista

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 6, 19-45

«tira primeiro a trave da tua vista»

É típico do ser humano ser mais acutilante e crítico para os outros
do que para si próprio. São inúmeras as vezes, porém, em que criticamos nos outros aquilo que, de forma mais ou menos subtil, também fazemos. O Evangelho lembra-nos a grandeza da auto-conversão. Não se trata, obviamente, de nos centrarmos em nós mas sim de sermos capazes de parar, de refletir sobre nós, de nos rasgarmos. Só assim, conhecendo-nos a fundo e gostando francamente de nós próprios, poderemos amar os irmãos. As “fugas para a frente”, passando ao lado do que somos, mesmo à sombra de bandeiras religiosas, será sempre inconsistente…

JP in Espiritualidade Textos 2 Março, 2019

a terra não nos pertence

Durante a colonização americana os índios nativos deram uma lição à nossa cultura, a propósito do parcelamento e sentido de propriedade da terra, que tanto nos mobiliza, ainda hoje. Diziam eles: “pertencemos à terra mas a terra não nos pertence…”

JP in Educação Frases 28 Fevereiro, 2019

onde estás?

A primeira pergunta do “ajudador” é: onde estás? Não é “quem és?”, “para onde vais?” ou, menos ainda, “para onde deves ir?”…

JP in Educação Frases 26 Fevereiro, 2019

amai os vossos inimigos

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 6, 27-38

«amai os vossos inimigos»

Poucos duvidam que a leitura da passagem de Lucas 6, congrega a mais difícil (mas também a mais original) “empreitada cristã”: a centralidade do perdão, que é (hiper)doar, pode também ver-se neste prisma de amar os inimigos. Neste texto há um conjunto de frases quasi-sinónimas, que, apesar de radicais e quase contra-natura, podem ser inspiradoras:  “fazei bem aos que vos odeiam”, “abençoai os que vos amaldiçoam”, “orai por aqueles que vos injuriam”, “a quem te bater com uma face, apresenta-lhe a outra”, “a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica”, “ao que te levar o que é teu, não reclames”…

 

JP in Espiritualidade Textos 24 Fevereiro, 2019

ciência e seus benefícios

As críticas que tenho vindo a fazer ao fundamentalismo cientificista não devem sombrear as potencialidades da ciência e da tecnologia no progresso da humanidade. Há questões muito sensíveis e cruciais nos nossos tempos para as quais grande parte dos caminhos solucionais pode passar pela ciência. Inovações científico-tecnológicas que nem sonhamos, podem alavancar a resolução de problemas muito reais e fraturantes como a questão energética, o aquecimento global, o problema alimentar ou a escassez de água potável.

JP in Ciência Frases 22 Fevereiro, 2019

a estrela

A ESTRELA

Queria

ser um pedaço

daquelas palavras.

Parei por semáforos.

O fumo suspenso

gerava a densa

poluição.

Olhei,

a toda a volta no céu,

e nada vi.

Olhei de novo,

vasculhei.

vi, finalmente,

uma estrela,

disse olá a Deus…

e ficou verde!

…in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.

acessível aqui

 

JP in Espiritualidade Poemas 20 Fevereiro, 2019

regulação de nascimentos, química e natureza

Uma radical e não dinâmica interpretação da encíclica Humanae Vitae pode cristalizar numa posição segundo a qual só é moralmente aceitável a anticoncecionalidade que recorre aos chamados métodos naturais. Talvez não tenha que ser assim…

 

J. C. Paiva, Regulação de nascimentos, química e natureza. Site PontoSJ (que se recomenda…). 20 de abril de 2018.

https://pontosj.pt/opiniao/regulacao-de-nascimentos-quimica-e-natureza/

 

 

Regulação de nascimentos, química e natureza

Alguns dos aspetos da proposta moral católica têm tido obstáculos acutilantes nos últimos tempos. Em parte, porque há uma tendência intrínseca, externa à Igreja, para certo modernismo ou vanguardismo, ou mesmo porque sociologicamente se regista uma apropriação pouco aprofundada, com base apenas nos comportamentos da maioria. Outra fatia da responsabilidade, porventura significativa, tem a ver com dificuldades de reflexão, elaboração e comunicação a partir do seio da própria Igreja. No caso da moral sexual, a situação é particularmente frágil.

É bom notar que a moral cristã terá de ter sempre o seu toque radical e exigente, não fosse inspirada nos critérios próprios de Cristo. A Doutrina Social da Igreja, para convocar um exemplo simples e óbvio, é de uma grande exigência e vai claramente contra a corrente na sociedade consumista e individualista em que vivemos. Talvez seja, porém, mais bem comunicada, mais cristãmente essencial e mais consensual do que muitas frentes da chamada ‘moral sexual’.

Um dos reflexos destas dificuldades comunicativas é que na mente de muitos ouvintes, incluindo os cristãos, se coloca ‘tudo no mesmo saco’. E, tipicamente, considera-se o saco de tal forma esquizofrénico em relação ao mundo atual, que se ignora, pura e simplesmente, tudo o que é proposto. A elaboração poderia ser colocada nestes termos: “sobre padrões ético-sexuais, as propostas católicas são de tal forma mal apresentadas e desproporcionadas, que não consigo sintonia, elaboro (ou não elaboro…) os meus próprios critérios e atuo e opino na minha conformidade personalista.”

Em particular, no horizonte, fica a séria possibilidade de, por exemplo, serem consideradas ao mesmo nível de (i)relevância: a) o aborto; b) as relações sexuais pré-matrimoniais e c) a anticoncecionalidade. A surdez generalizada, face a tamanho descalabro de quem clama no deserto, é muitas vezes equivalente em relação a estes três aspetos. Deixaremos para outra reflexão a nossa opinião inegociável sobre a condenação radical do ato abortivo. Registamos também algum valor para as entrelinhas positivas de potencial valor do segundo aspeto: critérios de proporcionalidade na linguagem sensual/sexual, clareza da primazia do amor, balanceamento de verdade entre o que se é e o que se diz com o corpo e incondicionalidade de assunção das consequências de qualquer entrega. Há aqui uma simpatia por certa formulação realista e igualmente exigente, num formato do género “diz com o teu corpo, na justa proporção, a verdade que és. E podes usar como medida da tua entrega a preparação para receber e acolher da circunstância tudo o que se possa gerar, de cumplicidade e de vida”.

A questão da regulação dos nascimentos é, na nossa opinião, mais complexa. Uma radical e não dinâmica interpretação da encíclica Humanae Vitae pode cristalizar numa posição segundo a qual só é moralmente aceitável a anticoncecionalidade que recorre aos chamados métodos naturais. Sobre este assunto, ocorrem-nos os seguintes aspetos:

1- O duplo sentido associado às relações sexuais num casal tem coerência interna sólida: os teores unitivo e procriativo daquela entrega amorosa de corpos são coerentes com a antropologia cristã e os insights bíblicos de certa cosmovisão, que a Igreja oferece e edifica.

2- A ideia de que só “a natureza” garante uma gestão responsável e moralmente enquadrável é muito discutível. Pode até haver certa simpatia pelos métodos naturais, do mesmo modo que se aprecia passeios nas montanhas e produtos biológicos na alimentação. Isto é, os argumentos não têm qualquer vínculo moral e estão até mais perto de uma posição algo hippie face à vida e aos recursos naturais.

3- É cientificamente muito discutível, extravasando o plano moral, a ideia segundo a qual “o que é natural é bom”. A química dá-nos boas respostas: o veneno de uma rã azul venenosa da austrália é natural, muito natural… mas mata um humano em poucas horas, mesmo que em doses pequeníssimas. Também a cafeína ou o álcool podem ser extraídos de produtos naturais, porém, ingeridos em grandes quantidades, podem igualmente matar. A exposição ao Sol em horas impróprias e em grande extensão, Sol ‘natural’, bem entendido, também pode fazer muito mal… Os exemplos são infindáveis mas centram-nos bem na constatação de que as interações que estabelecemos com a realidade são físico-químico-biológicas e seria frágil pensar que há átomos ou moléculas naturais e átomos ou moléculas artificiais ou (mano/nano)facturados. São as mesmas entidades atómico-moleculares em contextos diferentes…

4- Compreender-se-ia mal que uma dor de cabeça curada com aspirina (fruto da Graça, através do trabalho intelectual, científico e tecnológico de gerações sucessivas) tivesse menos valor moral do que se fosse curada com um produto natural com ácido acetilsalicílico… A tecnologia, neste contexto, é irrelevante e sem qualquer indução ética. Da mesma forma, não tem sentido hipervalorizar o ‘natural’ como supremacia moral, incluindo na contracepção.

5- Poderá haver casais que se sentem bem e em progresso com o recurso exclusivo a métodos naturais, quer pelas simpatias ecológicas da situação, quer por certa disciplina rotinada de contenção que entendam como positiva ou por outros fatores que considerem equilibrantes. Mas sem superioridade moral.

6- A abertura ou fechamento à vida é a mesma, precisamente a mesma, quando se tenta acertar com um período não fértil da mulher ou quando se usa um preservativo. As contas do método podem errar e o  preservativo pode estar mecanicamente avariado. Se resultar uma vida, ambos os casais terão de viver a tensão ética de acolher ou não o filho e o casal é inequivocamente convidado a dizer sim.

7- Também a ofensa ao primado do amor pode ser praticada com ou sem a natureza: é igualmente reprovável usar preservativos “a torto e a direito”, coisificando outros, como forçar uma relação sexual, porque é “dia sim” na regulação natural.

8- Valeria a pena, a este propósito, a Igreja usar o seu “tempo de antena sobre o assunto” com uma argumentação sólida, exigente e eticamente estruturada que propusesse aos casais cristãos o uso de métodos anticoncepcionais não abortivos.

9- Detalhar excessivamente a questão da regulação dos nascimentos incorre numa linha quase ridícula de “prescrevisionismo”. No limite caricatural, pode perguntar-se sobre a validade moral de certos detalhes íntimos, como as posições de cópula…

Em todos os casos, parece-nos existir um caminho e um progresso óbvio nestas questões: por mais confortável que possam ser as posições rígidas, formalistas e legalistas, que não oferecem nuances e mantêm firmes e hirtos os seus militantes, há que apostar na formação dinâmica das consciências. Não para que tudo se relativize e se perca a radicalidade da proposta cristã, mas para que se incorporem e se resignifiquem as escolhas com base numa pedagogia não moralista. Para que nos embalemos na tradição (crítica) da Igreja, sem subtrair o primado da validação misericordiosa e contemplando a avaliação positivamente subjetiva de cada caso, de cada discernimento, de cada história, de cada terreno sagrado humano…

 

JP in Ciência Educação Textos 18 Fevereiro, 2019

Se Cristo não ressuscitou, é inútil 
a nossa fé

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se 1 Cor 15, 12.16-20

«Se Cristo não ressuscitou, é inútil 
a nossa fé»

A frase de Paulo aos coríntios é bem conhecida dos cristãos e mote de muitas pregações e escritos espirituais. Propõe-se uma ligeira mudança no sujeito da frase “se eu não ressuscito é estéril a minha fé”. Esta frase, traduzida em vida, significa um claro respeito pelas minhas lágrimas, pelas minhas tristezas e pelas minhas “mortes”, mas um olhar sobre o horizonte, mais do que para os próprios pés cansados. Ressuscitar é recomeçar! E este respirar é tanto um alento existencial, como, principalmente, um mote para cada desafio de cada minuto, de cada espaço da nossa vida.

JP in Espiritualidade Textos 16 Fevereiro, 2019

“casa comum” – a síntese das sínteses

Podem apontar-se três sínteses fundamentais para os nossos tempos: a síntese da transcendência, por via da mística, a síntese da humanidade, por via da ética e a síntese cósmica, por via ecológica. A visão do Papa Francisco sobre a nossa “casa comum”, de alguma forma, faz a síntese destas três sínteses: é que o apontamento ecológico de Francisco contém mas supera a ecologia natural, incluindo, por isso, no “ser ecológico”, o “ser humanista”, o “ser transcendente”, o “ser social” e, assim, o “ser cósmico”.

JP in Ciência Educação Espiritualidade Frases 14 Fevereiro, 2019