o professor e as regras

As regras são importantes e a caricatura de uma escola sem regras fala por si. Considero, porém, que não se pode viver só de regras e, deliberadamente, o professor pode tentar quebrá-las no meio das aulas, mesmo com algum risco para a retoma de concentração. Pode valer a pena empreender algumas iniciativas mais lúdicas e afectivas, com mais ou menos ousadia e humor, mas tendencialmente fora do comum. Sabendo que as regras “são para quebrar” (…), quebre-as o professor de quando em vez, ordeiramente, para as retomar depois, com mais «autoridade afectiva»…

JP in Educação Frases 20 Maio, 2019

Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Ap 21, 1-5

«Deus enxugará todas as lágrimas dos seus olhos»

Os apontamentos bíblicos do tipo apocalíptico (um género literário em si próprio), são uma síntese curiosa de esperança, complexidade, mistério e imaginação. Nada de que não precisemos…

Ainda que nos possa não mobilizar insistentemente, cada um de nós, a seu jeito, tem questões do tipo teleológico, enquadráveis em incontornáveis equações sobre o futuro do futuro. Esperam-se vestigiais os cenários crentes de um medo do inferno escatológico, ou de uma conduta moral artificialmente baseada num prémio eterno de mérito por boas ações. Trata-se, isso sim, de confiar num sentido que resignifique esforços e lágrimas, na esperança de um encontro inimaginável mas possível, que se entrevê, já mas ainda não, neste lugar…

JP in Espiritualidade Frases 18 Maio, 2019

A Química da vida e a vida da química

O mundo à escala do muito pequeno é fascinante. Devolve-nos beleza, lógica e mistério, como quase tudo na vida, se afinarmos os olhos…

 

J. C. Paiva,A Química da vida e a vida da química. Site PontoSJ (que se recomenda…). 17 de agosto de 2018.

 

https://pontosj.pt/opiniao/a-quimica-da-vida-e-a-vida-da-quimica/

 

A Química da vida e a vida da química

Os químicos, além de tentarem compreender como são feitas “as coisas”, ocupam-se do dinamismo de como se transformam umas substâncias noutras. Vemos e tentamos tatear humildemente o mundo vivo e o mundo inanimado, aqui na Terra e por todo o cosmos (astroquímica). Parece haver uma maior densidade atómico-molecular mais perto de nós do que no rarefeito espaço sideral: estima-se que, ali, bem longe de nós, um centímetro cúbico de espaço não contenha mais do que um átomo que, assim sendo, só colide com outro, em média, de dez mil em dez mil milhões de anos (química lenta, de facto…).  À química interessam muito os humanos, quanto mais não seja porque, na realidade, se somos vida, somos constante transformação.

Química deriva da alquimia, prática antiga, pré-científica, que buscava a pedra filosofal, capaz de transformar metais vis, como ferro, em metais nobres, como ouro. Esta arte-magia tinha o seu quê de transcendente pois o elixir em procura, uma vez ingerido por humanos, transmutá-los-ia a eles mesmos para a eternidade. Hoje soa-nos a estranho mas ontem moveu muitos, incluindo notáveis cientistas como Newton. Da alquimia herdamos, entre outras preciosidades, as manipulações laboratoriais que ainda hoje praticamos nos espaços químicos. Notar que a expressão quimia quer dizer, precisamente, verter. Não fosse a química a ciência das misturas…

Uma das maravilhas da química é a aproximação à ideia de que toda a realidade, complexa e diversa, nas suas cores, formas, estruturas e demais propriedades, se faz à custa, apenas, de uma centena de unidades estruturais (elementos químicos). Estes diferentes tipos de átomos estão organizados numa tabela magnífica, que dá pelo nome de Tabela Periódica dos Elementos e que, de alguma forma, é a coleção dos bilhetes de identidade de cada um dos átomos que dá cor e vida e todo o cosmos.

A bem dizer, para o que anda à nossa volta, a começar por nós mesmos, basta até pensar numa vintena de tipos de átomos: com partículas do elemento hidrogénio, oxigénio, carbono, ferro, magnésio, cálcio, sódio e uns tantos mais, mapeamos o nosso organismo. É como as letras do alfabeto: assim como com vinte e seis letras apenas, organizadas coerentemente, se organizam palavras, frases textos e livros, também com cerca de vinte elementos diferentes, arrumados e congregados coerentemente, se constrói toda a diversidade de matéria que nos circunda… e nós mesmos…

São interessantes as analogias que podemos fazer entre a química e as nossas vidas. Com alguma imaginação, podemos fazer pontes curiosas entre o que somos, como nos relacionamos e o mundo dos átomos e das moléculas. Se nos concentrarmos nos átomos, constatamos que os materiais apresentam as suas propriedades em função da forma como as suas  partículas constituintes se ligam: ligações mais fortes podem determinar materiais porventura mais duros ou rígidos, porventura sólidos à temperatura ambiente. Já átomos ou moléculas (conjuntos de átomos) mais fracamente ligados e com maior mobilidade, podem ser constituintes de um gás que, em todo o caso, se for sujeito a baixíssimas temperaturas, pode passar ao estado liquido ou mesmo sólido. Pensemos no vapor de água que pode liquefazer ou mesmo ficar gelo, à medida que a temperatura baixa e as moléculas de “H2O” diminuem a sua agitação e a sua mobilidade. Facilmente entendemos como a expressão popular ou a literatura se podem apropriar destes conceitos: relações humanas sólidas e fortes… ou gente fugidia, gasosa e fracamente ligada.

As pessoas em relação procuram uma distância crítica ótima, que nem sempre se consegue: há um perigo claro de ligações “fortes de mais”, sem mobilidade e, portanto, de posse e até de coisificação. E importa a “temperatura das relações”. Esta, tanto pode ser alta de mais, a ponto de, na sua emotividade, destruir as ligações e fazer de tudo um fluido sem vigor, como pode, por outro lado, ser de tal forma uma temperatura baixa, que a rigidez impera e a reatividade baixa de tal forma que nada acontece e tudo fica na mesma.

Muitas das ligações entre partículas estabelecem-se por partilha de algumas entidades (eletrões) e pelo equilíbrio de forças que atraem e repelem partículas de carga elétrica positiva ou negativa. É belo este sinal da natureza nanoscópica: muitas das ligações fortes, como as que se estabelecem entre os átomos de carbono no reluzente diamante, acontecem por partilha (de eletrões) que, em certo sentido, deixam de ser do átomo x ou y e passam a (co)valer para o conjunto todo, bem ao jeito da proposta explícita no Evangelho para os primeiros cristãos. Se ninguém ‘chamava a nada seu’, era essa mesma marca da partilha que ligava e dava unidade, estrutura e sentido. Afinal, a partilha, será, porventura, o elixir da eternidade.

O mundo à escala do muito pequeno é fascinante. Devolve-nos beleza, lógica e mistério, como quase tudo na vida, se afinarmos os olhos…

 

Dissonância cognitiva, razão e fé

A dissonância cognitiva é um excelente instrumento de confronto para a autenticidade religiosa. A procura desta coerência confunde-se com resignificar crítica e dinamicamente que a fé cristã é razoável.

 

J. C. Paiva, Dissonância cognitiva, razão e fé. Site PontoSJ.  10 de maio de 2019. Disponível em

https://pontosj.pt/opiniao/dissonancia-cognitiva-razao-e-fe

 

DISSONÂNCIA COGNITIVA

Dissonância cognitiva, razão e fé

Aprecio muito a ideia de “dissonância cognitiva”. O conceito foi inicialmente desenvolvido em meados do século XX pelo psicólogo americano Leon Festinger e entrou com alguma generalidade no léxico das ideias, do aprofundamento das relações humanas e das psicoterapias.

A dissonância cognitiva ocorre (muitas vezes, na vida de todos nós…) quando as nossas ideias, as nossas crenças e as nossas convicções não convergem com aquilo que a realidade, interior ou exterior a nós, nos devolve.  Face a esta ocorrência dissonante, há várias respostas e atitudes. O perigo maior é o autoengano, as autoexplicações e autojustificações que, não raras vezes, nos levam a perpetuar a própria dissonância cognitiva. Alguns exemplos:

1- Um “clássico” de dinamismo dissonante está patente na fábula da raposa e das uvas. Na impossibilidade real de comer as uvas e face a um desejo que não quer ser totalmente assumido, a raposa diz que elas são amargas e verdes. Não é difícil imaginarmos as “uvas verdes” que invocamos para múltiplos desejos que não alcançamos, materiais ou outros. Pode ser o carro da vizinho (que para assumirmos para nós próprios a impossibilidade de o ter, dizemos que afinal não presta), a roupa daquela conhecida que afinal até consideramos que é “pindérica” (que eu não posso ter) ou (in)sucesso do filho da minha colega de trabalho entre os seus pares (que contrasta com o fracasso social do meu filho).

2- Imaginemos alguém que frequenta uma medicina alternativa excêntrica ou mesmo uma bruxa e que, para o efeito, investe muito dinheiro. Se a realidade não oferecer objetivas melhoras de saúde, gera-se um quadro de dissonância cognitiva e uma das fugas mais frequentes é uma autojustificação, mesmo que desfasada da realidade. Já que investi muito nisto, e não podendo derrapar em dissonância, direi a mim próprio e aos outros que esta solução (onde apostei muito) é mesmo boa. Convenço-me disso e atenuo a dissonância…

3- Outro caso típico situa-se no plano amoroso: o investimento (e insistência) em relações amorosas com pouco futuro. Muitas vezes estes casos andam de mão dada com instintos salvadores. Contra tudo e contra todos, investi neste relacionamento… ele trata-me mal e consome drogas mas (porque investi muito e tipicamente avancei solitariamente e negando a realidade) justifica-se esta relação, que vai vingar (vou “acertar-lhe o passo”). Prefiro esta justificação para continuar o investimento e estabelecer assim a coerência interna daquilo que, na realidade, é uma disfunção.

O filósofo Nietzsche tem um termo central na sua obra que, de alguma forma, se relaciona com a dissonância cognitiva. Trata-se da transvaloração. De alguma forma, está em causa a passagem deste dinamismo de dissonância cognitiva para a própria história e que podemos ligar à famosa “morte de Deus”.

Dos confrontos interessantes e desafiadores que vou tendo com o mundo da não crença, destaco a invocação dos meus amigos ateus de que me encontro em dissonância cognitiva, no que diz respeito à religião. O argumento é este: inventei Deus, investi muito nessa ilusão; muito tempo, ideias, argumentos, energia, vida. Mesmo que a realidade me devolva a (óbvia, para eles) ausência de transcendência, irei autojustificar a minha crença, mesmo contra os factos. Ajuda muito nesta tese o próprio confronto com a ciência que, alimentando-se de factos positivos e objetivos, “prova”(…) que não há espaço para a fé. Deixo para outra ocasião a ideia de que o entendimento da ciência num quadro epistemológico correto, nos abre espaço a outras perguntas, que transcendem a própria ciência. Isto é, a ciência, bem entendida, exprime um construto humilde e consciente dos seus limites. Por agora gostaria de me concentrar no exercício autocrítico e aberto de confronto com esta ideia (que me é colocada bastantes vezes, por amigos ateus, num contexto que considero de genuína honestidade intelectual), de que nós, os crentes, inventamos um Deus que nos coloca em dissonância cognitiva mas que, para não perder o pé, justificamos a todo o custo. Alguns apontamentos:

a) mais do que a lógica de combate, importa, nesta discussão, desenvolver a empatia e sentido de diálogo. Este traço de leitura face à religião parece-me compreensível e com bastantes pontos fortes e (contra)testemunhos do lado católico.

b) mais ainda, trata-se de um argumento que muitas vezes nos surge a nós mesmos, enquanto pessoas de fé. A crença num Deus, mesmo que num Deus de amor, como se revela em Cristo, pressupõe constantemente risco e dúvida. O nosso tateamento de Deus é sempre entrelaçado num dinamismo de revelação, isto é, com entreposição de um véu, onde “se vê” translucidamente.

c) a resposta a esta argumentação tem uma frente bastante útil: a razão. Temos o dever de dar razão à nossa fé. A tradição da Igreja, desde os tempos da cristificação do logos grego e revitalizada por muitos seres brilhantes ao longo da história (Agostinho, Tomás de Aquino, Chardin, Ratzinger, para citar alguns) pode inspirar-nos. Além deste acompanhamento eclesial, cada ser singular na fé é convidado a reconstruir constantemente as razões da sua fé. Autoconfrontarmo-nos persistentemente com o claro perigo das falácias da dissonância cognitiva, é um excelente meio de desafio à abertura transcendente. Tantas vezes, com distâncias críticas curtas face ao nosso ser religioso, nos emaranhamos numa superficialidade existencial e religiosa, não raras vezes, longe do essencial? A Igreja e, na sua comunhão, cada um de nós, tem o dever de manter vivo e afirmativo o seu sentido autocrítico.

d) fator relevante no confronto crente face à dissonância cognitiva religiosa é a própria vida. Será, em última instância, uma vida cristã coerente que nos confere a coerência interna enquanto viventes de fé. A vida, ela própria, é a realidade por onde sopra o Espírito. Portanto, se há dissonância religiosa, em muitas ocasiões, não será melhor mudar a vida, em conformidade, do que ampliar o argumentário (tantas vezes moralista), como faz a raposa com as uvas?…

Ocorre-nos, como claro modelo neste cenário, o Papa Francisco: também com as palavras mas principalmente com os seus gestos e com a sua vida, com a sua autenticidade pedagógica, ele transforma a coerência interna numa ontologia, capaz de referenciar a vida dos homens.

A dissonância cognitiva é um excelente instrumento de confronto para a autenticidade religiosa. A procura desta coerência confunde-se com resignificar crítica e dinamicamente que a fé cristã é razoável. Depois é a coerência dos próprios atos, o trabalho  do processo e as portas que se abrem com cada gesto em cada tempo… A fé, diríamos em evitamento de dissonância, é salvaticamente vivível!

 

PS: Não esquecer que, ao jeito da linha psicoterapêutica, a nossa ajuda a pessoas em quadro de dissonância cognitiva não deverá ser o confronto direto nem o moralismo, mas o questionamento hábil, prudente e astuto, sempre misericordioso. Será sempre o próprio ser em dissonância, porventura ajudado, mas sempre ele mesmo, a mudar a agulha da autojustificação para a autodescoberta coerente…

JP in Educação Espiritualidade 14 Maio, 2019

eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 10, 27-30

«Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me»

A metáfora de Jesus como pastor aparece de muitas formas nos Evangelhos. O Papa Francisco, encorajando os padres enquanto pastores, tem apelado ao sentido do olfato, para recomendar aos pastores da Igreja que “cheirem” aqueles com quem se relacionam na comunidade. Trata-se de um convite à abertura real face aos problemas do outro, condição base para que se possa atender e servir. Posto que em era pós-conciliar está reforçado que todos somos sacerdotes em Igreja, e, assim, todos pastores de um Pastor congregador, temos um convite universal a “cheirar” o outro, no sentido mais óbvio e fecundo, que é aquele de emprestar os sentidos a uma relação cuidada e cuidadora.

JP in Espiritualidade Frases 12 Maio, 2019

Fátima e a ciência

A mensagem central de Fátima não é dogma de fé, mas constitui-se como um convite à oração, à mudança para uma vida mais humana, a “descansar em Deus”, algo tão urgente na acelerada sociedade de hoje. E o contexto de simples crianças ajuda bem a enquadrar a forte carga simbólica do recado. É isso que Fátima tem para dar e que a Igreja portuguesa paulatinamente vai ensinando, de modo que aquele espaço de peregrinação seja cenário de encontro com um Deus de amor e não um supermercado de milagres.

ler artigo completo no link abaixo

Fátima e Ciência (Brotéria Maio Jun 2017) (1)

J. C. Paiva, «Fátima e a ciência»Brotéria, 184, 706-720, 2017

JP in Ciência Espiritualidade 10 Maio, 2019

teologia e maiêutica

Convém à teologia ser autoafirmativa e não uma resposta autoritária. Por isso, sempre crítica e autocrítica. Ajuda, neste contexto, a imagem socrática da maiêutica. Estamos, como a parteira, Mãe daquele filósofo, a ajudar a nascer, a “extrair vida”, (re)fazendo e (re)dizendo… o que, porventura, já existe…

JP in Espiritualidade Frases 8 Maio, 2019

cristão-judeu

Tenho de reconhecer que, sendo Cristão, sou muito Judeu. Acredito num Deus que se quer revelar (relacionar com o Homem) e já no judeísmo, aperitivamente,  Deus “fala”, “faz” e “liberta”… Em Jesus, atinge-se um (anunciado e percorrido) cume…

JP in Espiritualidade Frases 6 Maio, 2019

Jesus aproximou-Se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com os peixes

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 21, 1-19

« Jesus aproximou-Se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com os peixes»

Os tempos litúrgicos pós-Páscoa relatam-nos sucessivas (re)aparições de Jesus aos discípulos. Permito-me relevar (dar importância secundária…) ao dilema hermenêutico-teológico de saber se apenas os discípulos “viram e comeram com o Senhor” ou se existiu uma fisicalidade síncrona espaço-temporal dos acontecimentos relatados nos evangelhos. O mais importante para a fé, penso, é penetrar vivencialmente nestas duas dimensões: 1- Deus revela-se na abundância (de peixes); 2- Deus radica-se no mais ordinário e essencial, em ciclos de vida dinâmicos e de dádiva (comer). Se “pescássemos” e “comêssemos” com este ‘toque de ressurreição’, a vida poderia ser mais intensa…

JP in Espiritualidade Frases 4 Maio, 2019

Imagens ou palavras para educar?

Sejam imagens, sejam palavras, importa usar os meios mais adequados para os alunos perceberem do que se fala, compreenderem o que acontece, conquistarem o que os faz crescer. O professor fascinado vibra com o encanto da palavra, como vibra com a força da imagem e usa ambos os meios como escopro e martelo da obra de arte que é a educação.

JP in Educação Frases 2 Maio, 2019