Pobreza

A pobreza espiritual é libertadora: é a abertura ao que acontece, à novidade. São as mãos vazias. É um certo ‘nada’ que acolhe como dom aquilo que o tempo e o espaço oferecem. Não é passividade, é uma pró-atividade que tenta melhorar o mundo com a riqueza da surpresa acolhida…

JP in Espiritualidade Frases 14 Fevereiro, 2022

se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa fé

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se 1 Cor 15, 12.16-20

«Se Cristo não ressuscitou, é inútil a nossa fé»

A frase de Paulo aos coríntios é bem conhecida dos cristãos e mote de muitas pregações e escritos espirituais. Propõe-se uma ligeira mudança no sujeito da frase “se eu não ressuscito é estéril a minha fé”. Esta frase, traduzida em vida, significa um claro respeito pelas minhas lágrimas, pelas minhas tristezas e pelas minhas “mortes”, mas um olhar sobre o horizonte, mais do que para os próprios pés cansados. Ressuscitar é recomeçar! E este respirar é tanto um alento existencial, como, principalmente, um mote para cada desafio de cada minuto, de cada espaço da nossa vida.

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO VI DO TEMPO COMUM

L1: Jer 17, 5-8; Sal 1, 1-2. 3. 4 e 6
L2: 1 Cor 15, 12. 16-20
Ev: Lc 6, 17. 20-26

JP in Sem categoria 12 Fevereiro, 2022

Distinguir não é separar…

A conclusão, por parte de alguns não crentes, de que o aparecimento do universo dispensa qualquer dom criador de Deus parece basear-se numa quase artesanal concepção da criação. A afirmação de que Deus criou o mundo, afirmação comum ao cristianismo e a outras religiões, não pretende ser uma afirmação científica, no sentido em que esta expressão é hoje entendida. Quererá isto dizer que as explicações científicas e religiosas do mundo são radicalmente diversas, mesmo opostas? A dificuldade em responder a esta questão reside no facto de, por um lado, parecer conveniente distinguir as explicações científicas e religiosas do mundo e, por outro, parecer inconveniente criar um tal dualismo epistemológico que possa ser interpretado como um dualismo ontológico. O aforismo filosófico segundo o qual «distinguir não é separar» é a este propósito muito elucidativo. Embora seja conveniente reconhecer uma distinção entre Deus e o mundo, tal não significa que se deva afirmar igualmente uma separação entre ambos. Esta afirmação pode levar alguns a classificá-la como panteísta. Teilhard de Chardin parece ter defendido que Deus e o mundo partilham uma mesma história, e teve consciência de que poderia ser acusado de panteísmo. Cedo se demarcou de tal posição, mas isso não evitou que viesse, de facto e injustamente, a ser assim considerado.

JP in Espiritualidade Frases 10 Fevereiro, 2022

ratoeira espiritual

Há uma ratoeira espiritual em que podemos fazer por não cair: esperar pela purga total, pela limpeza total, pela perfeição, para crescer e ser o que podemos ser. O caminho é dinâmico e faz-se caminhando, com a simbiose entre a purificação e a ação…

JP in Espiritualidade Frases 8 Fevereiro, 2022

deixaram tudo e seguiram Jesus

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 5, 1-11

«Deixaram tudo e seguiram Jesus»

Os cristãos, em última análise, são frágeis seguidores de Jesus, o Cristo. O relato de Lucas fala-nos de pesca, de abundância, de deixar tudo e seguir Jesus. A pesca corria mal mas a presença de Jesus trazia abundância. Fascinados com essa plenitude resultante da amizade com Jesus, os discípulos mudaram a orientação da sua pesca, deixaram tudo e tornaram-se “pescadores de homens”. Os critérios de Cristo convidam-nos a uma recentralidade humanista: são os outros homens e mulheres que nos importam. Os cristão podem provocantemente perguntar-se: Que pesca fazemos? Como “convocamos” Jesus para nos acompanhar naquilo que nos importa? Como sentimos a abundância da Sua presença? Que mudanças somos capazes de fazer para O seguir, “pescando” de outra forma?…

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO V DO TEMPO COMUM


L1: Is 6, 1-2a. 3-8; Sal 137 (138), 1-2a. 2bc-3. 4-5. 7c-8
L2: 1 Cor 15, 1-11 ou 1 Cor 15, 3-8. 11
Ev: Lc 5, 1-11

JP in Sem categoria 6 Fevereiro, 2022

corpo e transcendência

O corpo, para a cultura ocidental, incluindo na sua dimensão religiosa, pode apresentar-se como um obstáculo a transcendência. Nas espiritualidades orientais a grande prisão para a transcendência é o pensamento, e o corpo é, precisamente, um veículo para alcançar o espírito. Pessoalmente, procuro a síntese de tanto o corpo como o pensamento poderem ser veículos para aquilo que importa, que nos inclui e que nos transcende…

JP in Espiritualidade Frases 4 Fevereiro, 2022

razão e afetos na escola…

A escola antiga alinhava com a máxima de que «um professor não sente», em conformidade com adágios do tipo «um homem não chora». A racionalidade higiénica terá movido, no passado, a teoria e a prática das escolas: professores e alunos, firmes e hirtos, de ambos os lados da barricada da educação, durante muitos e longos anos. Em alguns excessos do presente das nossas escolas, porém, joga-se a confusão afetiva oposta: falta racionalidade e distância crítica aos professores, às gestões escolares, aos encarregados de educação e à tutela ministerial, para atuar com firmeza racional nas muitas situações que o exigem.

JP in Educação Frases 2 Fevereiro, 2022

Não é este o filho de José?

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 4, 21-30

Não é este o filho de José?

O que é central nesta passagem do Evangelho é o apelo ao perigo da leitura superficial, do preconceito, do julgamento pelas exterioridades. Este Jesus não vale pelo que aparenta nem pelo seu pedigree. Vale pelo que é. Assim deveria ser com cada um de nós, na sua auto-estima e na sua hetero-estima… Valer pelo que se é, explicitado de outra forma, é dar mais importância ao que se diz e ao que se faz, mais do que às origens e aos históricos de cada um. Está aqui implícito um convite à autenticidade, nossa e dos outros, que vale a pena ter em conta com expressão de liberdade…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado anteriormente, neste blog.

DOMINGO IV DO TEMPO COMUM


L1: Jer 1, 4-5. 17-19; Sal 70 (71), 1-2. 3-4a. 5-6ab. 15ab e 17
L2: 1 Cor 12, 31 – 13, 13 ou 1 Cor 13, 4-13
Ev: Lc 4, 21-30

JP in Sem categoria 30 Janeiro, 2022

O “ismo” que interessa…

Paiva, J. C. (2022). O “ismo” que interessa… Site Ponto SJ, 26-01-2022.

Disponível aqui

A palavra tem o seu quê de artefacto, de improviso, de tateamento comunicacional. É a menos má arma que temos contra a nossa indizibilidade. É tão forte e útil, quanto precária e frágil. É, sobretudo, dinâmica, a palavra. Sabemos todos, por experiência própria, que a palavra é também ambígua e não depende só de si mesma. Entre outras coisas, a mesma palavra, se preciso for, tanto mata como liberta… É através da palavra que nos construímos e convergimos, mas, também por ela, nos desencontramos.

O sufixo “ismo” é relativamente recente no nosso linguajar. Incluído há alguns poucos séculos na nossa família linguística, o seu uso tem vindo a intensificar-se e apresenta-se hoje nos mais versáteis cenários semânticos. O “ismo” não tem carga fixa assumindo valores diferentes conforme o contexto. Gostava de me focar no lado mais ‘tóxico’, do sufixo “ismo”. Como sou químico, vou tomar a liberdade de convocar o enquadramento de “dose excessiva”, para querer aludir a certa intensidade, certo enfoque, certo exagero, também… Um exemplo óbvio é a palavra alcoolismo. É um “ismo” que diz respeito a uma dose intensa (porventura letal…) de algo que, tomado na dose certa, é pura e simplesmente bom, até muito bom. O álcool é fonte de sabor, de alegria, de vida e de sinalidade. Tomado a mais, deixa de ser tónico, passa a ser tóxico … e inebria. Nos parágrafos abaixo, situo-me como Cristão Católico Apostólico Romano face a muitos potencias “ismos” que intoxicam:

Importa conservar, principalmente na vida e no coração, uma herança testemunhal milenar que comunitariamente se tece para oferecer sentidos de esperança. Mas conservar, em Igreja, é sempre um gesto aberto e arriscado, atento aos sinais do mundo, dinâmico no mandato evangélico do sempre novo.

Assumo o caráter institucional da minha fé. Reconheço que organização e estrutura ajudaram na história e ajudam no tempo presente, qual copo que vale a pena ter para beber vinho. Mas um copo (instituição) não tem que ter peneiras nem obsessão de ser vinho (Espírito). O copo serve para beber vinho e copos por si mesmos são vidros infecundos, que até fazem feridas…

A fé encarnada é, em si mesma, continuista. Jesus de Nazaré nasce na história e funda e refunda a partir do que existe. É um Judeu que entra na fé e na vida do seu tempo e liberta na continuidade, sem romper com a história. É alguém que, mais do que ter amado e criado, ama e cria, ou, melhor, vai amando e criando… na realidade continuada.

Sem a tradição, esse gesto de transmitir, de dizer o tesouro que se traz no barro frágil, nenhum de nós teria condição de receber e continuar o dom. A tradição contempla igualmente a dimensão comunitária da fé, porque faz por dizer, a partir de Cristo, através dos tempos, o(s) “nós” da Fé. Mas tradição não tem que casar com resistência, com estaticismo e com rigidez. Pelo contrário, também porque a Boa Nova reclama, a tradição só sobrevive se se souber (re)dizer.

A Igreja tem os seus dogmas e eu viajo com eles, também. Os dogmas são para nós apontamentos fortes do que se entende ser a verdade e, é bom registar, têm naturezas e valores diferentes uns dos outros. Gosto de associar à palavra dogma uma outra, que nada tem a ver, no sentido etimológico: boia. E há boias que quero assumir como verdades que voluntariamente não desejo discutir, mas antes acolher e viver. Preciso delas, a partir de dentro de mim mesmo, para me não afundar no mar gozoso, mas tumultuoso da vida. Uma delas, a boia maior, da qual não me quero apartar, é esta mesma: a certeza que Deus é amor. As outras boia(zitas) ancoram nesta maior e poderão ser mais dinâmicas do que as fazemos… As boias de sinalização no mar oscilam com as correntes. Embora ancoradas, não são estátuas.

Foi e é importante uma certa doutrina, fonte de ensinamento e sabedoria, que nos pode iluminar no caminho e ser em si mesma testemunha de abertura e dádiva. Mas a doutrina não tem que ser doutrinadora… Pelo contrário, se é sabedoria a empreender pedagogicamente (a propor e não a impor, portanto), terá de ser aberta e recíproca. A doutrina cristã de século XXI, inspirada num tal de Jesus de Nazaré, deve ser principalmente de escuta. Propõe-se, mais do que com palavras, com vida(s), mas recebe e ilumina-se na diferença. É, em rigor, por ser cristã, uma doutrina aprendente.

Na Igreja, alimento-me de sacramentos, sinais visíveis que me ajudam nesta ponte tensional inacabada, entre o visível e o invisível, o ausente e o presente, o inatingível e o tocável. Nestes sinais, partilhados, abertos, esbanjados e oferecidos, realiza-se, no lastro da nossa fé, o que se representa. Mas nenhum sacramento pode ser vivido sem a consciência da sua paradoxal mas real infidelidade. O sacramento é, em si mesmo, também, insuficiente. Como a fé em Deus, o sacramento quer precisar da liberdade, da inteireza e da fé de quem participa. Sem adesão coerente e profundamente interior, o sacramento pode ser superficializado… e infecundo.

Portanto, assumidamente, sou conservador, institucional, continuador, tradicional, dogmático, doutrinal e sacramental. A vida espiritual não exige o ser religioso. Estes apontamentos comunitários de pertença vão-me ajudando a ser o que posso ser, salvando-me de mim mesmo. Mas… recuso e até gasto alguma energia de luta contra os “ismos” caricaturais de fundamentalismo destas procuras. Afasto-me do conservadorismo, do institucionalismo, do continuismo, do tradicionalismo, do dogmatismo, do doutrinismo e do sacramentalismo.  São estas doses excessivas, brotando de dentro e para dentro e para fora da Igreja Católica, que, tantas vezes, desperdiçam o tónus fundamental. Outros “ismos” de certo sentido oposto, como os progressismos ou os descontinuismos (revolucionários), também me repelem. Mas fica para outra reflexão tal desenvolvimento.

O “ismo” que vale a pena é mesmo o do Cristianismo… Admito que para o sentido da minha vida e do mundo, a identificação com Cristo é da ordem do ‘quanto mais melhor’. Deste “ismo”, sim, quero voluntariamente embebedar-me. Há uma ironia, nos próprios Evangelhos, que me sustenta: Jesus de Nazaré, em muitos dos seus gestos, palavras e sinais, opõe-se, precisamente, a todos os fundamentalismos, essas sombras que não deixam eclodir a proposta do radical amor. O cristianismo é um “ismo” que precisa sempre, para evitar os “ismos” que não contém, de três pilares fundamentais: a abertura, a novidade e o dinamismo. É também por isto que desejo celebrar, quotidianamente, com tanta alegria e vontade quanto (auto)desperdício, o “ismo” que me dá Ser: por Cristo, com Cristo, em Cristo…

JP in Sem categoria 28 Janeiro, 2022

eros, filia e ágape

Os gregos antigos já investiram muito nesta quase inglória ‘definição do amor’. A tríada mitológica de eros, filia e ágape é uma bela inspiração. Somos tecidos destas três dimensões, ora sensual, ora de amizade, ora de radical alteridade desinteressada. Na geografia do nosso desejo temos morada para todas estas casas. Pode existir um certo tónus de progresso purificador, no caminho eros-filia-ágape. Mas é preciso ter muito cuidado com as desintegrações. Uma ágape sem o exercício da amizade e sem certa sensualidade, mesmo que mística, é um esqueleto sem corpo, é uma sublimação inconsistente…

JP in Frases 26 Janeiro, 2022