Quando Vos invoco, sempre me atendeis, Senhor

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 137

«Quando Vos invoco, sempre me atendeis, Senhor»

A vida de oração de um cristão, porque é uma relação, pressupõe a petição. Pedir é uma atitude fundamental em qualquer relação, embora pressuponha humildade. Quem entende que tem tudo, é autossuficiente e não pede… Pedir a Deus com um coração puro é certeza de receber. Será importante “não manipular”, isto é, embora colocando explicitamente o que acontece e se elabora, o que preocupa e o que se tece no tempo e no espaço, não deixar de ser sempre um pedir “o que for melhor para mim e para os outros”, o que é, por sua vez, intrinsecamente indeterminado… De alguma forma, pedir em oração, com fé, é passar um cheque em branco. A quem pedir assim, o Senhor atende…

JP in Espiritualidade Frases 28 Julho, 2019

o tic-tac de Plank…

10 -43 do segundo (sub-parte do tempo inimaginável na sua pequenez) é o “tic-tac” mais pequeno que existe. É o ‘tempo de Plank’. Especula-se se terá havido uma “flutuação de vazio quântico” na parte do tempo anterior ao que conseguimos alcançar no entendimento do big-bang. Mas tal vazio, a existir, é um vazio não ontológico… O “dedo de Deus”? Está aí e em todo o lado, mas não se crê que niguém creia por via da prova científica…

razões da minha fé

As razões da minha 

Às vezes penso que só creio porque não sei não crer.
De facto, para começar esta reflexão sobre “as razões da minha “, devo assumir as minhas fragilidades e a minha carência. Daqui nasceu (e nasce) uma procura inacabada.

Ter , acreditar, é apoiar-me num Deus que acolhe e dá sentido maior à minha vida. Mas que Deus é este? Deus é também o indizível e há limitações semânticas para o alcançar com palavras. As “razões da minha ” (aspas deliberadas, porque são mais do que razões), encontram-se na história e na minha história, no tempo que passa e no futuro que saboreio por acreditar. Este futuro com sentido dá luz maior ao meu presente. Viver acreditando, usando linguagem de uma
geração à frente da minha, é curtido à brava.

Acho que consigo mergulhar no passado e no meu passado, vasculhando algumas das raízes do meu acreditar. Se a  e a vida se jogam no tabuleiro da cabeça, do coração e das mãos, metáfora para as dimensões racional, afectiva e de acção, no meu caso, foram as mãos que “salvaram”. Por volta dos meus dezassete anos entrei em grande crise existencial, com perguntas complexas sobre mim, sobre o mundo e sobre as minhas relações com os outros e com o cosmos. Conversei com muitos, comigo próprio, escrevi e procurei. Não alcancei pensando. Tive luz particular quando um dia de manhã, meio desesperado na procura, decidi aproximar-me de alguém excluído, dando-lhe a minha compreensão, o meu tempo, as minhas mãos. Fixo esta experiência com a aproximação possível a uma “definição” de Deus: Alguém que se revela no amor, na relação. Deus é amor. Eu precisei de outros para saborear o sentido de acreditar. Certo é que comecei a viver como se o amor fosse o filão de tudo, o antes, o durante e o depois da minha história e da humanidade. E a minha vida ganhou sabor, intensidade e coerência.

As referências inspiradoras para esta mudança foram-me dadas pela Igreja, que me “falou” de Alguém que vivera cerca de dois mil anos a esta parte, nascera numa manjedoura e marcara a história (com as suas mãos), vivendo e propondo um estilo de vida simples, polarizado num incondicional amor a um Deus-amor, que se manifesta paradoxalmente numa vitória da vida sobre o sofrimento e a morte. Jesus Cristo teve amigos que foram seus discípulos e depois apóstolos de uma Igreja que tomou raízes no tempo e chegou pelo tempo até mim. Devo dizer que nem sempre a Igreja me apresentou (ou eu não vi) uma imagem de Deus
positiva, coerente e possível. Mas no essencial fui conseguindo apoiar-me nos aspectos mais urgentes da mensagem, redescobrindo novidades e aproximando-me dos estilos e linguagens mais sintonizados com a minha procura. Sem perder o sentido crítico, fui aderindo e comprometendo-me com a Igreja de Jesus Cristo, neste tempo e neste contexto cultural que sou. Acabava por ir sendo, vestido com os meus limites, um vivente, um discípulo e um apóstolo de Jesus.  O compromisso libertara-me. Mas há um jogo de risco no acreditar, que se repete todos os dias. Digo a mim próprio, muitas vezes, que inventei e invento um Deus que não consigo “agarrar”, vivo como se Ele existisse e descubro, com as mãos, que o que eu invento, afinal, existe e sempre lá esteve, pacientemente à espera, de “graça”…

Não se tendo alcançado a  pela razão, não significa isso, de forma alguma, que a  seja irracional. A edificação do meu acreditar centrou-se na vida e numa entrega essencialmente afectiva onde a racionalidade, sempre presente, se deixou colocar ao serviço da causa maior, apriorística e essencial do amor. Aí posso admitir uma limitação em relação a outros amigos não crentes que, numa primeira análise, poderão ter uma maior “liberdade” de pensamento (dou de barato que, para alguns, estou viciado à partida): por necessidade, por limitação, por carência, por experiência de sentido, deixei-me embriagar pela convicção, pelo risco, pela ideia de existir um Deus de amor que está antes, durante e depois de tudo. Viver assim é bom e eu rendi-me!

Utilizo a razão e a inteligência para lubrificar as minhas buscas e relações. Com todos os pensamentos “embrulho” sistemicamente o meu coração e as minhas mãos no tempo que passa. Este Deus (de amor, como preciso de insistir) é de gerúndio: vai-se revelando, sem nunca se poder possuir. Há uma dinâmica de mistério, de incompletude. Deus é “já” mas sempre “ainda não”. Mas este futuro por descobrir dá um sabor interessante à minha liberdade.

Dilemas como a teodiceia (a equação de Espinosa e de tantos outros) são desafios constantes à minha razão. Como entender um Deus omnipotente e associado a amor, que, podendo poupar os homens, permite o sofrimento e a morte, aparentemente errática e sem sentido. Talvez não seja para entender mas para ir entendendo, ou talvez para ir vivendo. Talvez Deus seja “omni-impotente”, expondo-se frágil e não impondo-se poderoso. Talvez este dilema encerre como um tesouro o melhor formato da nossa liberdade. Talvez outras coisas que posso descobrir…

A Igreja, que sou eu e os outros e não só nem essencialmente uma instituição, tem um potencial para ser fonte de Deus. Nem sempre o foi, nem sempre o é. Mas Deus, convém dizê-lo em explicitação ecuménica, é maior do que a Igreja. Tenho para mim muito claro, que na suposição imagética da barca de Gil Vicente para entrar no paraíso, ninguém me perguntará, para escolher o meu lugar na vida eterna, “a quantas missinhas fui”. O Evangelho, aliás, já estabeleceu “as perguntas”: tive fome e deste-me de comer, tive sede e deste-me de beber… (Mt 25, 34-36). Esta pergunta, claro está, é para responder com a vida do agora e do aqui. Os aperitivos do paraíso jogam-se desde já e o “prémio” (como o nosso “inferno”) são deste tempo, naturalmente. O que vem depois é a consequência natural das escolhas e das apostas do nosso tempo presente…e sobre isso a misericórdia de Deus pode ter universais e desconcertantes surpresas. Eu vou à missa porque acredito e experimento que essa celebração da paixão de Jesus alimenta, em mim e nos outros com quem comungo a , a “loucura” de viver o Evangelho.

O sonho de Deus é uma festa. Uma festa que se vai fazendo mas que está por universalizar. Sinto (diz-se ser uma graça – dada gratuitamente) que eu, como cada homem, somos feitos à imagem e semelhança de Deus. Podemos tomar como nosso o Seu sonho de festa. A nossa missão é encontrar sentido em ser pedras de uma construção comum, um mundo melhor. Nunca ninguém fez boa festa sozinho. Por isto Deus não tem mãos e as minhas, as tuas e as de todos, são as Suas mãos. É esta a “razão” da minha !

 

texto de 2015, publicado em livro de testemunhos

JP in Espiritualidade 24 Julho, 2019

revelação divina

A revelação divina quis ser clara mas misteriosamente demandante da nossa procura, vontade, crença e trabalho. É laboriosa, difícil, distendida e apoiada no tempo. Está a acontecer…

 

JP in Espiritualidade Frases 22 Julho, 2019

mandarei vir água, para que possais lavar os pés e descansar debaixo desta árvore

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Gen 18, 1-10a

«Mandarei vir água, para que possais lavar os pés e descansar debaixo desta árvore»

Abrão (que passa a Abraão – com dois’a’s – quando é Pai de todos os povos – e não apenas de um povo) poderá ter alguma historicidade. Mesmo assim vale sempre o lado simbólico e religioso (o concordismo histórico-religioso cairia desde logo com a idade dele – simbólica – de centenas de anos). Era um errante beduíno do deserto que, pela escuta, nos aponta para o monoteísmo e para a terra prometida. Na leitura do Antigo Testamento que a liturgia nos sugere vemos um Abraão atento à hospitalidade. Há uma hospitalidade relevante que tem a ver com o acolhimento do outro. No texto presente, o hóspede é o próprio Deus e, no cristianismo, torna-se óbvio e angular, que o a hospedagem de Deus e a hospedagem dos homens se confundem…

JP in Espiritualidade Frases 20 Julho, 2019

extraterrestres e criação divina

O São Francisco do futuro, além do irmão Sol, da irmã Lua ou da irmã morte, poderia falar do «irmão ET»…

 

J. C. Paiva, Extraterrestres e criação divina. Site PontoSJ. 20 de julho de 2018. Disponível em

 

 

 

Extraterrestres e criação divina

A NASA anunciou que foi descoberto no dia 14 de dezembro de 2017 um oitavo exoplaneta no sistema Kepler-90. É o conjunto de planetas mais parecido com o nosso Sistema Solar.

Há investigação científica séria, muito séria, que, de alguma forma, procura vida noutros planetas. O que se busca é a existência de corpos celestes com propriedades semelhantes às da Terra, isto e, com dimensões e distância ao seu Sol com algumas parecenças com este ‘grão de pó’ em que vivemos. É bom termos a noção da nossa pequenez: habitamos um minúsculo esferóide que anda à volta de um Sol. O nosso Sol é uma das cerca de cem mil milhões de estrelas que constituem a nossa galáxia. E no universo (neste universo…) existem cem milhões de galáxias, cada uma com as suas estrelas…

Nem ciência nem religião negam a possibilidade de vida inteligente noutros planetas e, portanto, a existência de extraterrestres (ET).

A ciência, porém, não conseguiu ainda prova de vida fora do planeta Terra. Não há prova científica de seres extraterrestres. Tentam encontrar-se sinais da vida tal qual a conhecemos, em planetas do sistema solar, mas os dados não são conclusivos. Sondas recolheram amostras na Lua e em planetas do nosso sistema, mas nenhum sinal de vida.

Giordano Bruno (1548-1600) pagou com a vida a defesa da tese de existência de outros planetas habitados. Uma tal hipótese parece colidir frontalmente com a concepção cristã do universo, ainda muito dependente do velho paradigma geocêntrico e antropocêntrico. Compreende-se claramente que algumas das crenças mais fundamentais do cristianismo — como o pecado original como fonte de todo o mal, a encarnação e morte de Cristo para «pagar» pela humanidade descendente de Adão e Eva a culpa desse pecado, e a salvação que a sua morte e ressurreição trouxeram à humanidade — parecem enquadrar-se mal num universo com outros seres inteligentes que nada tiveram a ver com o pecado original bíblico. Terá havido em todos os planetas habitados um pecado igualmente original? Terá a encarnação de Cristo tido um valor de salvação também para os habitantes desses planetas? Ou terá Cristo encarnado em cada um deles, assumindo em cada planeta a forma dos seus habitantes?

Para os cristãos, o Verbo de Deus veio a este mundo e habitou entre nós, isto é, na humanidade inteira. Mas os conhecimentos científicos contemporâneos não se centram necessariamente no nosso planeta. Recentes investigações em astronomia têm encontrado planetas distantes com aproximações à sua estrela semelhantes ao nosso. A probabilidade de existir vida além da Terra é enorme e pensar no assunto pode ser relevante.

O diretor do Observatório Astronómico do Vaticano disse: «Como há uma multidão de criaturas sobre a Terra, poderia haver outros seres, mesmo seres inteligentes, criados por Deus. Isso não contradiz a nossa fé, pois não podemos colocar limites à liberdade criadora de Deus.» O seu antecessor pronunciara-se no mesmo sentido, sublinhando a compatibilidade da fé com a existência de outras formas de vida distantes. O S. Francisco do futuro, além do irmão Sol, da irmã Lua ou da irmã morte, poderia falar do «irmão ET»…

Para os católicos, a ação redentora de Cristo atinge a dimensão do cosmos. Não está confinada ao planeta Terra. Por isso, o facto de haver seres inteligentes noutros planetas não põe em causa a atual doutrina da encarnação, nem da redenção. Se se verificar que eles existem, concluímos que foi também para eles que o acontecimento de Jesus Cristo se dirigiu.

A doutrina do pecado original também não sofrerá com a dita hipótese. O pecado original significa a inauguração do mau uso da liberdade que Deus deu ao ser inteligente, com a consequência do mal que a continuidade desse mau uso provoca na história. Se se descobrirem seres inteligentes noutros planetas, dotados de liberdade e com capacidade de a usar bem ou mal, a noção do pecado original, tal como a teologia a formula no momento presente, também se lhes aplica.

A probabilidade da existência de planetas semelhantes à nossa Terra é muito grande. Basta fazer umas contas… O que andamos a fazer (e de uma forma original, com a chamada ciência participada, em que qualquer cidadão pode colaborar com os cientistas) é tentar observar sinais dessa presumível evidência. Mas, na mesma proporção, a probabilidade de entrarmos em contacto com essas formas de vida é, para já, muito reduzida. Limitações espácio-temporais impedem-nos, com os dados e tecnologias que possuímos, de comunicar com entidades tão distantes. O Deus em que acreditamos, porém, supera-nos sempre. Será sempre o Deus Cósmico, nas palavras de Teilhard de Chardin, que ultrapassa a nossa cidade, o nosso país, o nosso continente, o nosso planeta, a nossa religião. O Deus Cristão supera tudo, só não supera o amor, porque Ele mesmo é amor.

 

JP in Ciência Espiritualidade 18 Julho, 2019

Alegria

A Alegria, com maiúscula, que pode conter mas supera o divertimento, é o cimento da estrutura da vida.

JP in Espiritualidade Frases 16 Julho, 2019

quem é o meu próximo?

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 10, 25-37

«quem é o meu próximo?»

A réplica do doutor da lei, quando Jesus invocou o antigo mandamento (“…e ao teu próximo como a ti mesmo”) é uma pergunta que nos pode server como revisão existencial continua: “Quem é o meu próximo?”. Na teoria, conhecemos já a resposta, sabiamente transmitida por Jesus na parábola do bom samaritano. Mas, na prática, quantas vezes nos esquecemos dos nossos próximos?… Em particular, como pessoa religiosa, pergunto-me: quantas vezes há envolvimento em heroicas missões apostólicas e esquecemos os que vivem em nossa casa, no nosso bairro ou no nosso trabalho, precisando de nós?…

JP in Espiritualidade Frases 14 Julho, 2019

fuga ou encontro?

Um bom filtro para as nossas escolhas e caminhos, que pode ‘ensanduichar’ todas as nossas autoavaliações é esta pergunta crucial: “estou em fuga ou em Encontro?”…

JP in Frases 12 Julho, 2019

tensão entre identidade e abertura: notas para (tentar) um equilíbrio

A crítica, por vezes feita, de que certos ambientes inacianos funcionam por grupinhos, por isso mesmo fechados e impenetráveis deve merecer muita atenção. Há muitos nós que convém desatar, entre elites e elitismos, grupos e grupinhos, estilos e mesmismos.

J. C. Paiva, Tensão entre identidade e abertura: notas para (tentar) um equilíbrio. Site PontoSJ. 2 de julho de 2019. Disponível em

Tensão entre identidade e abertura: notas para (tentar) um equilíbrio

Há uma certa tensão entre diferentes carismas e formas de ser em Igreja. Não é apenas próprio dos nossos dias mas bem patente ao longo de toda a história. Em conversas mais ou menos explícitas, mais ou menos públicas, emergem comentários, tipicamente irónicos, sobre um qualquer fechamento deste ou daquele grupo eclesial.

Arrumando para mim próprio algumas ideias, e partindo da espiritualidade inaciana vivida na Comunidade de Vida Cristã (CVX), que se alimenta da mesma fonte dos jesuítas, gostaria de clarificar alguns pontos de vista:

1- A existência de diferentes carismas na Igreja é, definitivamente, uma riqueza. A unidade que se procura, mandato evangélico, aliás, é sempre uma unidade na diversidade. Quando se confunde unidade com uniformidade, empobrece-se a visão, a vida e o horizonte da Igreja. O Papa Francisco sublinha bem este aspeto quando, em EG 236, nos diz que “o modelo [da Igreja] é o poliedro, que reflecte a confluência de todas as partes que nele mantêm a sua originalidade”.

2- Unidade e diversidade constituem sempre uma tensão difícil de gerir. Se a uniformidade é uma caricatura da unidade, a ausência de pontes e tentativas de diálogo e colaboração carismáticos são também, por um outro lado, um não caminho.

3- No caso de algumas dinâmicas associadas à Companhia de Jesus, há acusações de elitismo. É sempre bom notar que apontamentos de elite, no sentido de procurar ‘o mais’, são virtuosos. Formação exigente e profundidade, por exemplo, quer para leigos quer para consagrados, são inegociáveis na espiritualidade inaciana. Já o elitismo, que, escrevendo curto e grosso, se pode confundir com ‘ter a mania que se é bom’, é inequivocamente desinteressante. Notar que algumas das ditas acusações de elitismo podem ser injustas e nascer do preconceito ou da simples agenda de bombardear, como arma de arremesso.

4- Outro apontar de dedo que pode merecer reflexão autocrítica é um certofechamento. Aqui, a atenção deve ser muito cuidada: uma Igreja apostólica, mais ainda neste tempo em que se refunda como estando ‘em saída’, não pode senão ser porosa e aberta. Assim, sem secretismos nem sectarismos, nem esquemas ocultos, se pode pautar cada carisma.

5- Mas não elitismo e abertura não implicam um mesmismo descoloridonem a ausência de exigências e esquemas próprios de cada caminho. A CVX, em particular, que se tem vindo a estabelecer num processo de afirmação vocacional na Igreja, tem uma vinculação aos Exercícios Espirituais, a um sentido de compromisso e a uma integração regional, nacional e internacional, que ultrapassa o pequeno grupo, de que não pode prescindir. Seria ingénuo admitir que, para ser aberta, a CVX deveria ser o espaço de toda a gente ou mesmo de toda a gente laica de espiritualidade inaciana. Há muitos caminhos, como sabemos, e o importante é cada um estar onde é livremente fecundo, sempre muito consciente de que se não é melhor que ninguém, apenas diferente.

6- A porosidade da CVX, por exemplo, enquanto carisma que caminha na procura comunitária de uma síntese entre a oração e a vida, revela-se no quotidiano dos seus membros e na abertura radical ao outro, em tudo o que se vive, em tudo aquilo em que se participa, dentro ou fora da Igreja.

7- Quando se comenta que os jesuítas (ou a CVX, equivalentemente) deveriam ajudar mais nas paróquias, ou colaborar mais com certos movimentos, ocorre-me o seguinte:

a) seria discutível participar em colaborações intercarismáticas ou pluriparoquiais apenas por motivos estéticos ou moralistas (porque deve ser…), se isso comprometer a eficácia (não a estatística mas a essencial, isto é, a eficácia da fecundidade...);

b) a deslocalização extrageográfica das paróquias é desde logo um argumento muito dinâmico e complexo (e que tem merecido reflexões profundas);

c) o diálogo entre os diversos movimentos e a eventual colaboração aqui e ali são de assinalar, mas não podemos esquecer que há estilos próprios de planear, empreender e avaliar, que resultam em modos específicos de cada carisma e que são precisamente a riqueza da Igreja, como na proveitosa metáfora das diferentes flores de um jardim;

d) indo um pouco mais longe, pessoalmente, quando me envolvo em alguns desafios de ordem eclesial, tento procurar pessoas com quem tenho afinidade de estilo e certa compatibilidade conceptual e de ação. O importante, mais uma vez, é que não me ache superior a ninguém

e) nada do que está escrito acima desincentiva a que as pessoas de espiritualidade inaciana (jesuítas incluídos) participem e colaborem com múltiplas atividades fora do seu carisma, assim tenham agenda, disponibilidade e sentido de poderem ser úteis, avaliando se não caem em dispersões discutíveis, bem entendido. Dizer que sim porque sim, ou dizer que sim por cerimónia de evitar dizer que não, nunca foi recomendável… É preciso, bem entendido, discernimento apostólico, procurando eleger o que mais serve, em cada desafio.

8- A crítica, por vezes feita, de que certos ambientes inacianos funcionam por grupinhos, por isso mesmo fechados e impenetráveis deve merecer muita atenção. Há muitos nós que convém desatar, entre elites e elitismos, grupos e grupinhos, estilos e mesmismos. Se num espaço inaciano (CVX, centro universitário, evento, etc.) há uma constância uniforme de modos de falar, trajes, nomes de família e outras exterioridades, os alarmes devem tocar. Aí sim, definitivamente, cheira a gente que se não deixa tocar e interpenetrar e que, porventura, se acha melhor do que alguém… Aí, não há Igreja!

JP in Espiritualidade 10 Julho, 2019