a memória da morte pode fazer viver…
Alfredo Dinis foi(é) um amigo. Padre jesuita, com quem partilhei aventuras literárias, humanas e cristãs. Escrevi, no dia da sua morte:
Alfredo Dinis foi(é) um amigo. Padre jesuita, com quem partilhei aventuras literárias, humanas e cristãs. Escrevi, no dia da sua morte:
Não fomos feitos para não sofrer nem para não morrer, mas para dar a vida.
A fuga para a frente pode não ser a chave da boa morte. A (pseudo) fuga mais libertadora é precisamente a receção da vida como uma Graça, uma dádiva, uma promessa de que a fragilidade é a penúltima experiência. A isto se chama Fé.
Moribundisse
Na moribundisse
desse instante
…longo instante…
se radicaliza
a angústia,
a esperança,
a dúvida e
a certeza.
Ali se joga
em escala
intensa,
em alto grau,
em câmara lenta
rápida
o que a vida
teceu
no tempo.
…Desde o útero
desde o ventre
do cosmos.
Fornos, 4 de dezembro de 2017
Homenagens
Prescindo
hoje e amanhã
(mesmo em cinzas)
de uma qual-quer(?)
homenagem.
Prefiro a memória
Simples e discreta
De um qual-quer(?)
Rasto de amor.
Custa-me ver a fila
(a logística, a mobilização)
para saudar uma honra.
Use-se tal energia
Para abraçar alguém,
Para amparar
Uma qual-quer(?)
pessoa frágil.
Acresce ainda
Que nada mereço.
E a haver uma honra
Seja endereçada
À graça de Deus
Que, por graça também,
Me usou (quando eu deixei)
para se espelhar.
2018
Não falo dos testamentos materiais, legitimados em ambiente notarial. Falo das vontades deixadas antes de morrer. A menos de um libertador desejo de sonho largo, apontador de pacificações e outros voos sem rumo, vejo com maus olhos os desejos excessivamente concretos dos que partem. Cheiram-me a prisões aos que ficam. Talvez melhor entregar tudo à confiança do discernimento dos que nos assistem partindo. Se morrer como quero viver, desejo deixar os outros livres para as escolhas que tiverem que fazer…
Sou um morrente, antes mesmo de ser moribundo. Ou é um drama sem sentido ou um desafio. Escolho o segundo, este de ir vivendo-morrendo por amor.
Ainda em tempo de de-funtos (palavra de carga forte na sua raiz: deixar de funcionar…), uma reflexão sobre os que partem e a nossa relação com eles. Ouvi (ironicamente, numa homilia) que “devemos respeitar a vontade dos mortos”. Explícito a minha discordância. Os mortos que tenham tido desejos direcionistas, deveriam ter feito por executar em vida (ou testamentar) o que, na sua liberdade, entendiam por bem exercer. Com as ajudas que conseguissem, incluindo a nossa, bem entendido. Uma vez sendo não vivos, uma outra realidade se poderá associar à sua existência, certamente mais perto da verdade, do amor e da liberdade. Seria irónico (e conheço casos…) que alguns mortos continuassem a manipular os vivos, com desejos (ou caprichos…) manifestados antecipadamente. Há gente que deixa legados pantanosos do tipo ‘não fales com aquele’, ‘não vendas este terreno’ ou até ‘vai para este ou aquele curso’. São prisões sobre a liberdade de terceiros, proibidas pela própria liberdade. Pode estabelecer-se nos que ficam, principalmente em pessoas mais frágeis psicologicamente, um dinamismo de culpa espartilhante, que gera atavismos arrastados e desnecessariamente sofredores.
Morte suave
Sempre que posso falo com a natureza e vejo que ela tem muito para me dizer: a paciência, a beleza, a abundância, a contingência e, talvez principalmente, a morte das plantas rendidas ao nitrato que são, para o Natal de mais vida…