falar de mais e exame de consciência…
Se há assunto que poderia ser crónico e recorrente no nosso exame de consciência seria este: “hoje, houve muita palavra emitida e pouca escuta?…”
Se há assunto que poderia ser crónico e recorrente no nosso exame de consciência seria este: “hoje, houve muita palavra emitida e pouca escuta?…”
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Rom 8, 26-27
Da carta aos Romanos fixamo-nos nesta constatação antiga, da dificuldade em rezar… De facto, se orar (ou rezar) for entendido como descansar em Deus, até aí é difícil rezar. Temos dificuldade em descansar, em geral… e em descansar em Deus, em particular. Daqui decorre que a primeira coisa para (tentar) rezar é, precisamente parar. Diz a mesma carta aos Romanos que o Espírito virá e essa é a promessa que alicerça a nossa fé. Mas para o Espírito nos alcançar, há que não fugir correndo…
Há ou não há?
Há ou não há
um vestígio de
eternidade no mar?
Há ou não há
Uns laivos de
Esperança na dor?
Há ou não há
Um pequeno
Cato verde no deserto?
Há ou não há
Um subtil
Milagre quando
Alguém nasce?
Há ou não há
Azul vindouro
No céu cinzento?
Há ou não há
Um sentido positivo
Para as misérias
Da história?
Há ou não há
Um traço de mistério
Nos bastidores da ciência.
Há ou não há
Um coração
Que bombeia
A mente não linear?
Há ou não há
Um caminho estreito
Na minha escuridão?
Há ou não há?…
Coimbra, 12 de Abril 2004
A fuga para a frente pode não ser a chave da boa morte. A (pseudo) fuga mais libertadora é precisamente a receção da vida como uma Graça, uma dádiva, uma promessa de que a fragilidade é a penúltima experiência. A isto se chama Fé.
Nas nossas incompetências de diálogo prático (a teoria costuma ser boa…) há uma parte que teima em ser curta: é aquela escuta que francamente aceita e se abre, dizendo “dá-me a tua parte, que eu quero recebê-la”.
O Concílio de Trento, iniciado em 1545, reafirmou a autoridade da Igreja Católica na interpretação da Bíblia, mas o texto do decreto conciliar é bastante genérico e até mesmo ambíguo. Os padres conciliares decretaram que ninguém se deveria permitir «interpretar a Sagrada Escritura, nas matérias de fé e de moral, que pertencem ao edifício da doutrina cristã, distorcendo a Sagrada Escritura segundo o seu modo de pensar, contrário ao sentido que a santa mãe Igreja determina». O texto conciliar não especificou, porém, critérios suficientemente precisos para a definição, por exemplo, de uma questão como sendo de fé ou de moral, nem entrou em pormenores sobre o difícil problema de decidir quando se deveria interpretar a Escritura em sentido literal ou em sentido metafórico.
Desde a tradição medieval que é comum distinguir quatro sentidos possíveis no texto bíblico, a saber: 1) histórico ou literal, 2) alegórico ou cristológico, 3) tropológico ou moral e antropológico, e, finalmente, 4) anagógico ou escatológico.
A tradição hermenêutica é, pois, bem longínqua na história da Igreja. Conhecem-se dois extremos caricaturais, em traços deixados ao longo do tempo e ainda hoje presentes: de um lado, uma visão restritiva e estaticamente ortodoxa da autoridade da Igreja na interpretação bíblica e, do outro lado, uma personificação originalista, que não tem em conta a riqueza da tradição, nem a procura duma expressão comunitária de afirmar dinamicamente as verdades da fé. Caminhamos, ainda hoje, nesta tensão…
A criatividade é e continuará a ser um motor essencial de quase tudo. Não convém confundir, na vida como na arte, com o criativismo… que é mais um ‘ismo’, onde não importa nem o critério nem o discernimento.
Às vezes caminhamos no deserto e falta-nos luz… Mais do que a luzita, talvez importe a graça do desejo de querer ver. Aquela (a luzita) pode apagar-se, mas esta (a esperança), pode ter chama abundante…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 11, 25-30
Não convém confundir esta passagem evangélica com um convite à ignorância, ao simplismo ou à superficialidade. Mas há um sentido evangélico que nos alinha em ser “pequeninos”. Evitar ser (ou melhor, achar-se…) “sábio e inteligente” é evitar só contar connosco próprios, prescindindo de Deus e dos outros. Somos “sábios e inteligentes” quando achamos que só nós é que sabemos e não acolhemos humildemente cada pessoa, com os seus limites e riquezas. Ser “pequenino”, à maneira do Evangelho, é ser pobre e, portanto, aberto à novidade de nós mesmos, de cada um (outro) e do cosmos.
A autoridade é essencial nos dinamismos educativos. A autoridade não nasce magicamente da função, não é dado adquirido e é, em certo sentido, pouco vinculável pela palavra. É antes uma consequência natural de uma forma de ser, coerente, lúcida e eficaz. Autoridade, convém sublinhar, é um conceito diferente, se não mesmo contrário, a autoritarismo (abuso prepotente do poder).