ser religioso e justiça

Na explicitação da minha fé, também e porventura principalmente por certos pontos fracos meus, tenho vindo a acrescentar um devir de lutar pela justiça. O motivo maior é que sentiria como curta a minha aspiração à plena liberdade num sentido pessoal. A promoção da justiça empurra-me para o nós e torna estéril, senão mesmo impossível, a ideia de uma “salvação” pessoal… Talvez, também por isto, me inscreva como uma pessoa, além do crente, religiosa.

JP in Espiritualidade 8 Junho, 2022

preces…

A prece é uma triangulação: eu (ou nós), a realidade e Deus… mas um Deus nem marioneteiro, nem manipulável, nem surdo…

JP in Espiritualidade Frases 6 Junho, 2022

Enviai, Senhor, o vosso Espírito e renovai a face da terra

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 103

«Enviai, Senhor, o vosso Espírito e renovai a face da terra»

Há no salmo que hoje rezamos liturgicamente um rasgo interessante no judaico-cristianismo: trata-se duma cumplicidade entre o Espírito e a terra, entre o transcendente e o imanente. Uma fusão entre o real e o sagrado. “Esticando a corda” da inspiração, com intenção deliberadamente catequética, potencialmente ajustadora de religiosidades muito etéreas, de misticismo duvidoso e desligadas da vida, seria bom colocarmo-nos na senda de escutantes do Espírito Santo que, claramente, fala na e pela realidade. Dentro e fora do fenómeno religioso, vou ficando com a ideia de que se apostam em simbolismos mais ou menos mágicos, desligados do que somos. Pelo contrário, o sopro dá-se na matéria e os sinais da sede do Espírito topam-se numa terra que comunica… Bom domingo de Pentecostes!

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO DE PENTECOSTES


L1: At 2, 1-11; Sal 103 (104), 1ab e 24ac. 29bc-30. 31 e 34
L2: 1 Cor 12, 3b-7. 12-13 ou (própria do Ano C): Rom 8, 8-17
Ev: Jo 20, 19-23 ou Jo 14, 15-16. 23a-26

JP in Sem categoria 4 Junho, 2022

professor sabichão / professor fixe

O professor de Química que saiba só química não irá longe… Imagine-se um aluno do ensino básico, seja o João. O João não percebe uma dada geometria molecular. O professor sabe muito de geometria molecular, tem modelos sofisticados e estratégias encantadoras. Mas onde irá o professor se for indiferente ao facto de, ontem, o pai do João, alcoolizado, ter batido na mãe? De que servirá a sua sabedoria química sem a apreensão social e, principalmente, sem a criatividade sensível de uma aproximação ao aluno, talvez privada, expressa, porventura, na mágica expressão: «Como te posso ajudar?»… Está claro também que, do outro lado, caricaturalmente, está o (pseudo) professor de Química, que, dominando o mundo da psicologia ou da sociologia, com elegante aproximação afetiva, não sabe da ciência que está a ensinar, não se prepara e não se forma continuamente, sendo, tão só, um professor «fixe»…

JP in Educação 2 Junho, 2022

Hoje, como sempre, quem canta o salmo sou eu…

Paiva, J. C. (2022). Hoje, como sempre, quem canta o salmo sou eu…Site Ponto SJ, 22-04-2022.

Disponível aqui

– “Hoje, como sempre, quem canta o salmo sou eu”.
– “Esse é o meu lugar na missa”.
– “Tanta coisa que eu dei a este grupo de catequese… e agora fazem-me isto”.
– “Se há pessoa que merece ir a este curso de formação, depois de tantos anos de empenho, sou eu”.
– “Preparei com tanta dedicação esta oração, e acabaram por meter tudo no lixo.”
– “Tantos anos a trabalhar nesta paróquia, para levar agora um ‘chuto’.”
– “Sempre quis pertencer a este grupo… e hei-de conseguir!”
– “Os cânticos são comigo!”.
– “Escolhem sempre os mesmos (nunca a mim…)”.
– “Fiz tanta formação e não me aproveitam”.
– “Uma vida dada a esta congregação, para me colocarem agora numa prateleira…”
– “Paguei tanto para esta obra e agora não tenho direito a nada”.
– Etc, etc.

Sem comentários, para lançamento de conversa, temos, acima, expressões que podemos ouvir em paróquias, grupos de reflexão Cristã, Movimentos e carismas, bastidores religiosos, congregações religiosas e comunidades.

Todas estas expressões, algures entre a imaginação e a criatividade, projetam um forte entrançado psico-socio-religioso de comparação, procura de reconhecimento, mérito, prémio, vitimismo, falta de autoestima e protagonismo. Os bastidores destas frases, sem exceção, inclinam-se mais para o privilégio e para a cobrança, do que para a gratuitidade e para a consciência do dom. Projetam também, claramente, algo que nos une a todos: fragilidade, sede, busca de sentido e procura de um lugar.

A Igreja é, definitivamente, uma casa para todos. Novos e velhos, bons e maus cantores, gente mais e menos culta. E falo de pessoas com variada relação, quer com a cultura das academias, quer com a (agri)cultura da natureza e da vida. O que nos une a todos é uma esperança e uma carência comuns, que converge num sentido de esperança vivida de forma comunitária, tendo o Evangelho como referência. Todos temos lugar. Acontece que Cristo – Presente na fé e inspirador – nos remete para uma tensão de (auto)descentramento constante. E, por Ele, com Ele e n’Ele, estamos não só autorizados, mas incentivados, a mexer as águas. Respeitar demasiado (entenda-se…) as posições/vontades/desejos/sonhos de cada um parece-me, cada vez mais, pouco cristão.

O equívoco central desta problemática é uma bomba explosiva de mérito e procura de reconhecimento. Quando se entende que “se merece” seja o que for, em dinamismo apostólico, está o caldo entornado. Pelo contrário, a colocação de dádiva desinteressada deveria ser o filtro da porta da entrada em qualquer protagonismo de estrutura eclesial.  Cada um propõe ou propõe-se, e a circunstância é mesmo essa: uma proposta. Só é genuína proposta se for desapegada, livre, desautocentrada, pronta, portanto, a ser aproveitada ou não. Quem se impõe, ou impõe, mesmo que subtilmente, não tem lugar na comunidade dos cristãos. Cristo é modelo de perfil proponente, numa fidelidade de desapego que sacode livremente o pó das sandálias.

É evidente que este processo de filtro purificante de intenções é um exercício complexo e moroso para todos nós, a pedir trabalho pessoal, comunitário e, sobretudo, criatividade comunicacional. Mas, esse é o ponto central desta despretensiosa reflexão, pede frontalidade e verdade. Os adultos não se devem infantilizar e os monstros não se devem alimentar. Em algumas personalidades que circulam nos corredores atuantes da Igreja, há perfis muito autocentrados e, em muitos casos, quase narcísicos. Tolerar eucaliptos que chamam a si toda a humidade da terra, é secar os campos e comprometer outras fecundidades. Dinamizar cristãmente não é ser bonzinho, mas tatear a esperança na realidade, como ela é.

Há casos particulares que merecem atuações particulares. Por exemplo, com crianças, tem sentido dar lugar a todos para lá dos seus talentos performativos. Mas para adultos (ou adultos em trânsito, como todos somos) há que ir desbravando novos e assertivos caminhos. Nos espaços de assumido terreno celebrativo ou apostólico, em particular, quem está, terá que estar desapegado, pronto a, se preciso for, não ter qualquer papel especial, precisamente porque somos todos especiais e estar e pertencer é o único eventual direito que podemos ter.

Nestes cenários não há bons nem maus. Somos todos débeis caminhantes e, quando distraídos, todos procuramos reconhecimento, muitas vezes embrulhados no feliz estrangeirismo de fishing for compliments: lança-se a isca para sacar reverências. E no final dos eventos, mais do que avaliar frutos, fazemos por colher louros. Poderá ajudar-nos a todos, no acerto da desumbilicalidade, dizer a nós mesmos, este paradoxo: “és profundamente amado aos olhos de Deus mas não tens de ser assim tão importante aos olhos dos outros”. Cada um fará por escutar as suas próprias moções e fazer o seu trajeto de descentramento. Mas no trabalho comum e nas procuras cénicas e performantivas de cariz apostólico, deixar andar não é caminho…

A parrésia, de que tem falado o Papa Francisco e que tanto inspira o atual movimento sinodal, convoca a humildade (contacto com o húmus, com a realidade…), a liberdade de expressão, a escuta e a assertividade. Quem tem lideranças apostólicas (espaço que cada mais, creio, deveria ser ampliado a todos os batizados, sem exclusividade de ordenados), poderá perguntar-se se não é demasiadamente passivo face às enquistações crónicas nas organizações cristãs. Expressões como aquelas com que se iniciou esta reflexão, nos fóruns próprios e nos modos adequados, não poderão ficar sem feedback e não poderão servir jamais para, com a boa desculpa de não ferir, deixar tudo na mesma. Julgando respeitar as várias sensibilidades e personalidades (ou enquistamentos e monopólios?) poderá estar a contribuir-se para um comprometedor status quo, que não é bom nem para os instalados, nem para os candidatos ao caminho…

JP in Sem categoria 30 Maio, 2022

Fortaleza da minha salvação

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 46

Fortaleza da minha salvação

No salmo que hoje se reza ressalta Deus como “fortaleza da minha salvação”. Saboreie-se um Deus que torna forte a nossa fraqueza e que nos salva, que dá sentido à nossa vida e que vai além das nossas angústias. No evangelho são notadas muitas curas – pontuais e insuficientes (até porque os curados não deixarão de morrer…). Mas com mais relevância, Jesus salva, abre portas, dá sentido de ressurreição. Podemos agradecer – em dinamismo de fé – Ele ser nosso refúgio e, também por isso, pedir-Lhe a graça de, no tempo da nossa vida, sermos nós também eventuais refúgios e sinais de salvação para as pessoas com quem nos relacionamos. Sermos tónicos…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO VII DA PÁSCOA


L1: At 1, 1-11; Sal 46 (47), 2-3. 6-7. 8-9
L2: Ef 1, 17-23 ou Hebr 9, 24-28; 10, 19-23
Ev: Lc 24, 46-53

JP in Sem categoria 28 Maio, 2022

colo(s)

Deus não nos leva ao colo, digo eu. Dá-nos “colo” e depois mete-nos no chão, como a Mãe da criança que promove a cria…

JP in Espiritualidade Frases 26 Maio, 2022

milagres

Quanto aos milagres, precisam claramente da nossa fé para o serem. Espreitam, tais milagres participados, muito mais no vulgar do que no espetacular, muito mais no ordinário do que o extraordinário…

JP in Espiritualidade Frases 24 Maio, 2022

Um tempo de síntese com Javier Melloni

Paiva, J. C. (2022). Um tempo de síntese com Javier Melloni. Site Ponto SJ, 20-05-2022.

Disponível aqui

Prefácio à edição portuguesa do livro:

Para um Tempo de Síntese

Presente e futuro das religiões

de Javier Melloni 

editor: Fragmenta, abril de 2022  ‧  isbn: 9788417796648

Não consigo separar uma obra da pessoa que a escreveu. No caso do jesuíta Javier Melloni e deste livro ‘Para um tempo de síntese’, a não separação é ainda mais fundamental. Esta é, precisamente, uma obra de não-dualidades. Javier Melloni é, nestas folhas, antropólogo, teólogo, filósofo e estudioso da cultura mas conta muito a sua experiência vivente, em particular no contacto fecundo com outras tradições religiosas, que não a da sua casa cristã. O autor cria contexto reflexivo para o lastro da sua visão mas, principalmente, parte da sua experiência de dialogante, capaz de sair de sua casa, ser hóspede em casa de outro e voltar enriquecido e convergente numa procura comum, que sempre une.

A tradução da obra para português justifica-se para o mundo lusófono. Podemos reconhecer que certa multi e transculturalidade, também projetada religiosamente, se toca mais obviamente em cidades como Londres, Nova York ou Barcelona (lugar do autor). Mas a portugalidade, e os jesuítas aí incluídos, tem enormes cumplicidades com a globalização. Não é só a nostalgia dos tempos das naus. É um potencial de novos mundos, hoje em múltiplos sentidos e por múltiplas vias, que é ainda endémico do ser português e que justifica esta obra na nossa língua. Uma referência merecida para o excelente trabalho de Idalino Simões, com larga e provada experiência na tradução teológica hispano-portuguesa.

As grandes rubricas do livro apontam-nos temáticas que se centram muito nas bases do diálogo: a genuína e complexa alteridade, as nuances de plenitudes e totalidades, as fecundações oriente-ocidente e, finalmente, o potencial inspirador das convergências. Diálogo é um conceito muito usado quotidianamente, no discurso político e não só. Uma prática tentada individual e coletivamente mas com riscos de desgaste, semântico e vivencial. Como acontece com a palavra amor, também ela erodida, de muito ser dita, chamamos diálogo ao que não o é. Vamos a casa de outros com expectativas, não como hóspedes de mãos vazias, mas cheios de (segundas) intenções e agendas de convencimento mais ou menos proselitistas.

Algumas frases do livro colocam dedos na ferida (“quando se reduz a identidade a uma só pertença, a visão do mundo distorce-se, criando um nós contra os outros”) mas, mais importante, abrem janelas de ressignificação (“o próprio das religiões é religar a existência individual com a realidade total”). Há sempre uma preferência pela amplitude da unidade, em detrimento da fragmentação.

Talvez nos falte algum metaconhecimento – e a leitura deste livro pode ajudar – sobre o nosso grau de consciência da incompletude das perspetivas disciplinares, compartimentadas e segmentadas em que vivemos. É mesmo partir-nos, aquilo que não nos deixa inteiros…Esta procura de unidade que perpassa toda a obra não é tecida de ingenuidades. Há um olhar lúcido sobre o mundo e sobre a cultura atual (“o problema do humano é que é incapaz de suportar demasiada realidade”) e um sentido também crítico sobre as religiões ou sobre os seus protagonismos mais duvidosos ou estáticos, já que as mediações
religiosas são complexas e podem mudar com o tempo (“os veículos são feitos para se ajustarem a cada caminho e mudar de veículo não implica alterar o caminho…”).

Este livro tem a importante circunstância de evidenciar o diálogo interreligioso não como uma colateralidade cultural, filosófica ou teológica, mas, precisamente, como lugar teológico. Isto é, “um espaço suscetível de refletir sobre Deus com pressupostos específicos que, pela sua novidade, carecem de recursos, em vocabulário e em método, que, por sua vez, estão em processo de maturação”.

A palavra “processo”, diga-se de passagem, é crucial em toda a obra de Melloni. São curiosas as palavras usadas para caraterizar o diálogo interreligioso como teopático e com potencialidade transformadora: palavra desarmada, despossuída, descentrada, silenciosa e criadora. Ajuda-nos a sistematização religiosa feita por vários prismas, quase sempre inspiradas pelos óculos antropológicos do autor. Em particular, o agrupamento das grandes constelações religiosas em cósmicas, personalistas e oceânicas. As primeiras centram-se na Terra e remetem-nos para os aborígenes, sendo, por isso, (ab)origens de todos nós. As segundas – personalistas – recolocam-nos no “tempo” enquanto lugar ontológico (importância da esperança e do futuro) e incluem as religiões do livro (Judaísmo, Cristianismo e Islão). As terceiras, oceânicas, focam-se em certa diluição do eu. Aqui a espacialidade confunde-se com a natureza e a corporeidade e a temporalidade identificam-se com o momento presente. Sem desprezar identidades e especificações pessoais, culturais e religiosas, intuem-se neste contexto sínteses fantásticas, capazes de gerar processos e produtos plenos de maturidade. Se a matéria é feita de diferentes átomos e de rearranjos, há uma unidade em tudo e pode também, por esta via, apontar-se o tudo em todos e o todos em tudo.

O olhar crítico de Melloni é sustentado e tem uma grande virtude (fazendo lembrar a analogia anatómica de que quando se aponta um dedo a alguém se nos apontam três dedos a nós mesmos). Nas referências ao movimento New Age, por exemplo, sem o isentar de confrontos (há uma diferença entre síntese e mistura, diz), o autor aproveita para autocriticar as matrizes (ou caricaturas, ou contramodelagens) que, concretamente em relação ao cristianismo, nos fazem compreender estas tendências mais ou menos contemporâneas. As referências à questão ecológica são constantes e podemos entrever aqui, na via ecológica (a par das vias mística e ética, apontadas por Melloni) uma estrada paralela à encíclica Laudato Si, escrita pelo papa Francisco já depois do ano de 2011, quando este livro é editado em Espanha.

A obra ajuda-nos a tomar consciência de que, no ocidente, patrocinamos certa cultura “super-ética”, que, de forma mais ou menos moralista, carrega no dever ser e se arrisca a curto-circuitar o eu, eu esse fundamental quer para os outros quer para O totalmente outro que nos transcende… Para este autor, o sagrado “joga em casa” (Deus em nós) e este exercício de tornar próximo o que as religiões muitas vezes colocam distante é uma agenda. Pode afirmar-se que o cristianismo, em si mesmo, é uma realização do transcendente no iminente, que a Encarnação é uma explicitação escandalosa de um Deus que quer fazer-se presente em tudo e em todos… na carne. Mas reconheçamos que este cenário, porventura expresso na doutrina ou na teologia, teima em
não brotar com evidência, como real testemunho cristão.

Uma referência à bibliografia, que por vício académico preferia ver agrupada no final do livro, uma vez que ela reflete inspirações relevantes, que, desde logo, nos situam na obra. Há uma insistência num autor que arrisco dizer ser crucial, em certo exercício de relançamento cosmovisionário de século XXI: Theilhard de Chardin. Notamos uma referência recorrente a Panikkar e a outros autores que trabalharam, entre outros assuntos, as páscoas entre o ocidente e oriente, como Thomas Merton. Temos referências expectáveis neste contexto a Gandhi, Santa Teresa, São João da Cruz ou ainda a Simone Weil e Juan Martin Velasco. Também são citados autores de outras culturas menos frequentes no nosso meio: por exemplo Zhuangzi (cultura Tsé), Seyyed Hossein (cultura Sufi) ou Eliade (yoga).

Atrevo-me a dizer com alguma osmose do meu conhecimento do autor do livro que, nas entrelinhas, embora não citado, está a vida, o pensamento e a ação de Pedro Arrupe. Por vício profissional que estimula o contraditório e a arte de tentar problematizar/falsificar, não posso deixar de indicar algumas objeções ou questões que se me levantam na sequência desta obra, algumas delas já debatidas precocemente, e em processo, com o autor:

1) Que empatia nos podem merecer as relutâncias e resistências a este diálogo radical, que envolvem argumentos de ‘mesmismo’ e de desidentificação cultural e religiosa? (uma boa caricatura é um “tanto faz” em relação a assuntos como ressurreição e reencarnação).

2) As culturas, práticas e técnicas de silêncio que nos inspiram na meditação cristã desprivilegiam deliberadamente a razão, em favor dum aqui e dum agora ‘de coração’. Este trilho é um caminho do tipo ‘ou’ (mente ou razão) ou do tipo ‘e’, de síntese (logos e interioridade)?

3) Os diálogos e os ajustes ressignificantes das práticas religiosas mais dialogadas levantam problemas de confronto com uma tradição valiosa e universal. Que tensões eclesiais se levantam neste ponto? Que riscos têm as práticas religiosas mais personalistas, pessoal ou comunitariamente? Beliscam a unidade?

4) Excluindo qualquer etiqueta de superioridade ou olhar exclusivo, que lugar ocupam as ciências exatas, de berço ocidental, como forma privilegiada de ler o mundo e de enorme impacto social e real na vida de todos nós? Em particular, que sentido crítico nos merece alguma linguagem usada no ambiente meditativo e de algumas culturas orientais que não se articula com os dados da ciência (bom exemplo é o abuso da expressão ‘energia’ que, no meu humilde entender, vai muito bem como tendo a sua forma cinética e potencial e/ou como sendo o produto da massa pelo quadrado da velocidade da luz…).

Por fim, o essencial. Javier Melloni ajuda-nos aqui a arrumar muitas ideias. Parte da nossa tradição judaico-cristã e do logos greco-romano. Certamente não desprezará estas fontes, que o tecem e o ajudam a tecer. Definitivamente, e muito bem, contraria as colocações religiosas de militância defensiva. Para ele, no que escreve e no que vive, há apenas uma trincheira, paradoxalmente aberta ao mundo e plena de potencial dialogante e porosidade: o mistério do encontro no silêncio. Embora seja ingrato sublinhar a insuficiência da palavra num livro que dela vive, percebe-se, também mas não só no seu sentido teleológico, que o encontro com a transcendência, aperitivável neste tempo e neste espaço, tenha na não-palavra íntima e na meditação silenciosa redutos radicalmente fecundos…

JP in Sem categoria 22 Maio, 2022

louvado sejais, Senhor, pelos povos de toda a terra

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 66

«Louvado sejais, Senhor, pelos povos de toda a terra»

O salmo que hoje se reza nas celebrações católicas romanas tem um significado de grande potencial contemplativo, dialogante e ecuménico: «Louvado sejais, Senhor, pelos povos de toda a terra». Um olhar profundamente universal, positivante e generoso sobre todas as pessoas e todas as realidades, é, desde logo, pacificador. Tomar o outro e os outros povos, não como obstáculos mas como alavancas do meu crescimento e da minha liberdade, é uma porta que se abre. O grande caminho, que vai rasgando novos horizontes no mundo, é o de me abrir ao outro, à sua cultura e à sua religião, no sentido de valorizar, na diferença mas no respeito radical por essa diferença, o que é “louvável” na sua existência…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO VI DA PÁSCOA


L1: At 15, 1-2. 22-29; Sal 66 (67), 2-3. 5. 6 e 8
L2: Ap 21, 10-14. 22-23 ou Ap 22, 12-14. 16-17. 20
Ev: Jo 14, 23-29 ou Jo 17, 20-26