ironia ao natural

Ironia ao natural

 

É natural,

é bom

e quanto mais melhor,

como os cogumelos

vermelhos,

as rãs azuis

ou o suco de serpente…

É químico,

processado,

é mau,

como a

aspirina,

um perfume

ou o plástico

da válvula

cardíaca

de um coração…

in Paiva, J. C., Quase poesia quase química (2012) (e-book). Lisboa, Sociedade Portuguesa de Química.

acessível aqui (porventura enriquecido com uma ilustração)

JP in Ciência Poemas Química 28 Junho, 2019

A Química da vida e a vida da química

O mundo à escala do muito pequeno é fascinante. Devolve-nos beleza, lógica e mistério, como quase tudo na vida, se afinarmos os olhos…

 

J. C. Paiva,A Química da vida e a vida da química. Site PontoSJ (que se recomenda…). 17 de agosto de 2018.

 

https://pontosj.pt/opiniao/a-quimica-da-vida-e-a-vida-da-quimica/

 

A Química da vida e a vida da química

Os químicos, além de tentarem compreender como são feitas “as coisas”, ocupam-se do dinamismo de como se transformam umas substâncias noutras. Vemos e tentamos tatear humildemente o mundo vivo e o mundo inanimado, aqui na Terra e por todo o cosmos (astroquímica). Parece haver uma maior densidade atómico-molecular mais perto de nós do que no rarefeito espaço sideral: estima-se que, ali, bem longe de nós, um centímetro cúbico de espaço não contenha mais do que um átomo que, assim sendo, só colide com outro, em média, de dez mil em dez mil milhões de anos (química lenta, de facto…).  À química interessam muito os humanos, quanto mais não seja porque, na realidade, se somos vida, somos constante transformação.

Química deriva da alquimia, prática antiga, pré-científica, que buscava a pedra filosofal, capaz de transformar metais vis, como ferro, em metais nobres, como ouro. Esta arte-magia tinha o seu quê de transcendente pois o elixir em procura, uma vez ingerido por humanos, transmutá-los-ia a eles mesmos para a eternidade. Hoje soa-nos a estranho mas ontem moveu muitos, incluindo notáveis cientistas como Newton. Da alquimia herdamos, entre outras preciosidades, as manipulações laboratoriais que ainda hoje praticamos nos espaços químicos. Notar que a expressão quimia quer dizer, precisamente, verter. Não fosse a química a ciência das misturas…

Uma das maravilhas da química é a aproximação à ideia de que toda a realidade, complexa e diversa, nas suas cores, formas, estruturas e demais propriedades, se faz à custa, apenas, de uma centena de unidades estruturais (elementos químicos). Estes diferentes tipos de átomos estão organizados numa tabela magnífica, que dá pelo nome de Tabela Periódica dos Elementos e que, de alguma forma, é a coleção dos bilhetes de identidade de cada um dos átomos que dá cor e vida e todo o cosmos.

A bem dizer, para o que anda à nossa volta, a começar por nós mesmos, basta até pensar numa vintena de tipos de átomos: com partículas do elemento hidrogénio, oxigénio, carbono, ferro, magnésio, cálcio, sódio e uns tantos mais, mapeamos o nosso organismo. É como as letras do alfabeto: assim como com vinte e seis letras apenas, organizadas coerentemente, se organizam palavras, frases textos e livros, também com cerca de vinte elementos diferentes, arrumados e congregados coerentemente, se constrói toda a diversidade de matéria que nos circunda… e nós mesmos…

São interessantes as analogias que podemos fazer entre a química e as nossas vidas. Com alguma imaginação, podemos fazer pontes curiosas entre o que somos, como nos relacionamos e o mundo dos átomos e das moléculas. Se nos concentrarmos nos átomos, constatamos que os materiais apresentam as suas propriedades em função da forma como as suas  partículas constituintes se ligam: ligações mais fortes podem determinar materiais porventura mais duros ou rígidos, porventura sólidos à temperatura ambiente. Já átomos ou moléculas (conjuntos de átomos) mais fracamente ligados e com maior mobilidade, podem ser constituintes de um gás que, em todo o caso, se for sujeito a baixíssimas temperaturas, pode passar ao estado liquido ou mesmo sólido. Pensemos no vapor de água que pode liquefazer ou mesmo ficar gelo, à medida que a temperatura baixa e as moléculas de “H2O” diminuem a sua agitação e a sua mobilidade. Facilmente entendemos como a expressão popular ou a literatura se podem apropriar destes conceitos: relações humanas sólidas e fortes… ou gente fugidia, gasosa e fracamente ligada.

As pessoas em relação procuram uma distância crítica ótima, que nem sempre se consegue: há um perigo claro de ligações “fortes de mais”, sem mobilidade e, portanto, de posse e até de coisificação. E importa a “temperatura das relações”. Esta, tanto pode ser alta de mais, a ponto de, na sua emotividade, destruir as ligações e fazer de tudo um fluido sem vigor, como pode, por outro lado, ser de tal forma uma temperatura baixa, que a rigidez impera e a reatividade baixa de tal forma que nada acontece e tudo fica na mesma.

Muitas das ligações entre partículas estabelecem-se por partilha de algumas entidades (eletrões) e pelo equilíbrio de forças que atraem e repelem partículas de carga elétrica positiva ou negativa. É belo este sinal da natureza nanoscópica: muitas das ligações fortes, como as que se estabelecem entre os átomos de carbono no reluzente diamante, acontecem por partilha (de eletrões) que, em certo sentido, deixam de ser do átomo x ou y e passam a (co)valer para o conjunto todo, bem ao jeito da proposta explícita no Evangelho para os primeiros cristãos. Se ninguém ‘chamava a nada seu’, era essa mesma marca da partilha que ligava e dava unidade, estrutura e sentido. Afinal, a partilha, será, porventura, o elixir da eternidade.

O mundo à escala do muito pequeno é fascinante. Devolve-nos beleza, lógica e mistério, como quase tudo na vida, se afinarmos os olhos…

 

espaço sideral rarefeito

É impressionate o facto de, no espaço sideral interestelar, haver cerca de uma partícula por centímetro cúbico. Com este espaço tão rarefeito, estima-se que a colisão entre partículas ocorra de 10 em 10 milhões de anos. Química fugaz, imensidão de quase vazio… Torna-nos pequenos, a nós e à nossa escala…

JP in Ciência Frases Química 28 Março, 2019

cem mil milhões

Cem mil milhões, como escala de grandeza, é um número simbólico no Universo: há (cerca de…) cem mil milhões de galáxias, cada uma com (cerca de) cem mil milhões de estrelas. Há (cerca de) cem mil milhões de neurónios num cérebro humano. Há (cerca de) cem mil milhões de conformações possíveis (orientações relativas dos átomos) em muitas proteínas…

JP in Ciência Frases Química 4 Fevereiro, 2019

acaso e necessidade…

No seu mistério amoroso, permito-me imaginar que o nosso Deus, que não quis ser marioneteiro, arriscou tecer – está a tecer – em fios de acaso e necessidade.

O astrónomo Jesuita George Coyne, disse a este propósito: “Dois átomos de hidrogénio encontram-se no início do universo. Por necessidade (leis da combinação química), eles estão destinados a tornarem-se uma molécula de hidrogénio. Mas por acaso, as condições de temperatura e pressão naquele momento não são as que permitem a combinação. Os dois átomos movem-se no universo até que finalmente se combinam. E há triliões e triliões destes átomos no mesmo processo. Pela interacção de acaso e necessidade forma-se muitas moléculas de hidrogénio as quais, finalmente, se combinam com moléculas de oxigénio tornando assim possível a água, e assim por diante, até chegarmos a moléculas muito complexas e, finalmente, aos organismos mais complexos que a ciência conhece: o cérebro humano”.

futeboleno

NOTA: O futeboleno é um composto químico muito interessante. Foi sintetizado laboratorialmente mas conhecessem-se vestígios não artificias no espaço. É composto por 60 átomos de carbono, disposto como numa bola de futebol… daí o seu nome…

Compostos semelhantes ao C60 resultam em materiais tão duros que riscam o diamante. O diamante, composto também constituído apenas por átomos de carbono, perde, assim, o estatuto do mais duro material existente…

 

Futeboleno

 

Criado

existente

no espaço

(além Sol)

presente…

Magia,

bola de

futebol.

Pentágonos,

hexágonos,

invenção

pré-existente.

Fascínio

verdade

nano-utilidade…

Potente

futuro

sagaz

elementar

e galante.

Tão duro

capaz

de riscar

diamante…

in Paiva, J. C., Quase poesia quase química (2012) (e-book). Lisboa, Sociedade Portuguesa de Química.

acessível aqui (porventura enriquecido com uma ilustração)

JP in Ciência Poemas Química 28 Outubro, 2018

a química e a pressa

A química e a pressa

 

A pressa

é o pecado

do mundo.

Pecar,

fazer mal a mim

e a ti,

é não esperar

e catalisar

o que tinha

mecanismo

previsto

com aquela ativação.

Para quê

baixar em força

aquele valor?

Mais valia deixar,

deixar em amor.

Subir como criança

a brincar

que vai ao alto e,

passando a barreira,

ali contempla

confia e delega.

E desce a rir

…como num escorrega…

in Paiva, J. C., Quase poesia quase química (2012) (e-book). Lisboa, Sociedade Portuguesa de Química.

acessível aqui (porventura enriquecido com uma ilustração)

 

JP in Ciência Poemas Química 16 Outubro, 2018

Porque Pirilampiscam os Pirilampos?… E muitas outras perguntas luminosas sobre química

Livro editado pela Gradiva, em co-autoria com Carla Morais

Referência: C. Morais, J. C. Paiva, Porque Pirilampiscam os Pirilampos?… E muitas outras perguntas luminosas sobre química. Gradiva, Lisboa, 2014

Para adquirir o livro contactar: www.gradiva.pt

Nota: neste blog, pode haver pequenos textos constantes do livro, com etiquetas, disponibilizados ‘avulso’.

 

A ciência ao alcance de todos, neste livro acessível, prático e esclarecedor. Recheado de factos curiosos e respostas aos mais intrigantes fenómenos, será apreciado pelos miúdos e graúdos que querem saber como funciona o mundo à sua volta. Uma bela edição, apelativa e informativa.

Porque Pirilampiscam os Pirilampos, usando de empréstimo a criativa palavra inventada por Mia Couto, é umas das curiosidades abordada neste livro de divulgação de química. Para miúdos e graúdos, em linguagem simples e acessível, abordam-se os mais variados temas da química do dia-a-dia: dos pirilampos à cozinha, passando pelos plásticos, pelo perfume e pela chuva. Numa viagem plena de desafiantes “porquês”, apresenta-se a química como uma ciência central. O funcionamento do ozono estratosférico como filtro solar, a utilização de bioetanol, biodiesel e biogás como possíveis soluções energéticas, as indesejáveis dioxinas e furanos, bem como o prometedor grafeno e os novos materiais, são assuntos-matéria-prima para a construção de perguntas e de alguns trilhos de resposta.

A química está por todo o lado e é fascinante saber como são as coisas e como se transformam umas nas outras. O conhecimento científico abre horizontes e estimula a vida. A química, de entre todas as ciências, é umas das mais determinantes na evolução da qualidade de vida e uma das mais estimulantes para o espírito. Com 38 questões, pistas para lhes responder e novas questões que, a propósito, se levantam, tenta fazer-se um pouco mais de luz. Vale a pena espreitar e descobrir porque pirilampiscam os pirilampos… e muitas outras questões luminosas sobre química!

 

índice:

Porque foi importante a alquimia? ………………………………………. 11

Porque é a química uma ciência central? ………………………….. 15

Porque é a tabela periódica importante? ………………………….. 19

Porque vem o elemento 117 preencher uma lacuna? ………. 23

Porque tem o carbono um lugar de destaque na química? 27

Porque são elementos como Fe, Mg, Ca, Na, K e Zn essenciais à vida? ……………………………………………………………… 31

Porque se usa o frigorífico para conservar os alimentos? …. 35

Porque são tão utilizados os plásticos? ……………………………… 39

Porque sentimos o cheiro de um perfume logo que abrimos o frasco? ………………………………………………………………. 43

Porque se fala em «química verde»? ………………………………….. 47

Porque se danificam algumas peças de ferro? …………………. 51

Porque são importantes as combustões? …………………………. 55

Porque se formam incrustações calcárias? ……………………….. 59

Porque funciona o ozono estratosférico como filtro solar? 63

Porque é o amoníaco uma importante matéria-prima? ……. 67

Porque é necessário purificar a água? ………………………………. 71

Porque têm os cristais de neve uma forma hexagonal? ….. 75

Porque podem rebentar as canalizações nos dias frios de inverno? ………………………………………………………………… 79

Porque é constituído por vidro o «núcleo» da fibra ótica? …. 83

Porque se faz a destilação do petróleo bruto? …………………. 87

Porque são o bioetanol, o biodiesel e o biogás possíveis soluções energéticas? …………………………………….. 91

Porque se utilizam as panelas de pressão para cozinhar os alimentos? ……………………………………………………… 95

Porque se diz em química que não há venenos, mas doses venenosas? …………………………………………………….. 99

Porque é que a salinidade do mar não se deve apenas ao cloreto de sódio? ………………………………………………………….. 103

Porque é o diamante um material com elevada dureza? …. 107

Porque é condicionada pela química da atmosfera a vida na Terra? ………………………………………………………………….. 111

Porque pode ter cor o fogo de artifício? ……………………………. 115

Porque sobe o pH da pele quando é lavada com sabão? 119

Porque existem chuvas ácidas? ………………………………………….. 123

Porque se utilizam processos de eletrólise? …………………….. 127

Porque são indesejáveis as dioxinas e os furanos? …………. 131

Porque pirilampiscam os pirilampos? …………………………………. 135

Porque se forma o «nevoeiro fotoquímico»? …………………….. 139

Porque é utilizada em medicina a radiação gama? ………….. 143

Porque se utiliza RMN em química, biologia e medicina? …. 147

Porque é o grafeno um material interessante? …………………. 151

Porque são importantes os «novos materiais»? ………………… 155

Bibliografia …………………………………………………………………………….. 159

 

Um exemplo:

Porque pirilampiscam os pirilampos?

 

Muitas reações de combustão produzem luz, decorrente da elevação da temperatura. Estas reações libertam energia como calor, suficiente para aquecer a mistura reacional até à incandescência. Em contraste, outras reações libertam energia luminosa à temperatura ambiente. A produção não térmica de luz visível por uma reação química está na origem do termo «luz fria» e o processo é chamado quimioluminescência. Para ser quimioluminescente, a reação tem de disponibilizar energia de excitação suficiente para que, pelo menos, uma espécie química possa ser transferida para um estado eletrónico excitado. Quando a produção de luz visível ocorre em organismos vivos, o processo designa-se por bioluminescência.

A bioluminescência pode ser utilizada pelos organismos como forma de camuflagem, na atração de presas ou potenciais parceiros, na repulsão de predadores, em comunicação e iluminação.

O mais conhecido dos organismos bioluminescentes é, sem dúvida, o pirilampo (do qual há vários milhares de espécies diferentes).

Numa reação bioquímica no corpo do pirilampo, a enzima luciferase catalisa a oxidação da luciferina por uma molécula de oxigénio. A decomposição térmica do produto da oxidação produz radiação eletromagnética.

A bioluminescência ocorre em vertebrados e invertebrados marinhos, bem como em microrganismos e animais terrestres. Assim, além dos pirilampos e de várias espécies de insetos, outros organismos, como bactérias, algas, celenterados e crustáceos, também manifestam a ocorrência do fenómeno de bioluminescência.

A emissão de luz por várias plantas e animais é conhecida desde os primórdios da humanidade. Contudo, apenas no século xx aumentou gradualmente a investigação nesta área, com a descoberta de muitos sistemas quimioluminescentes.

Os sistemas mais comuns envolvem o luminol, ésteres do ácido oxálico, lucigenina, tris(bipiridil)ruténio(II) ou luciferina.

 

JP in Ciência Livros Química 26 Julho, 2018

A química das relações: pais, filhos e a escola…

Paiva, J. C, A química das relações: pais, filhos e a escola…. Revista leya-educação (on line), março, 2018.

 

Disponível em https://www.leyaeducacao.com/z_escola/i_376

A química das relações: pais, filhos e a escola…

A química, como ciência das propriedades e transformações da matéria, tem uma das suas bases fundamentais na interpretação de fenómenos macroscópicos (visíveis a olho nu) a partir do comportamento dos pequeníssimos corpúsculos que constituem todo o universo, incluindo cada um de nós. Se ainda não reparou, nós somos química em ação!

Serve o contexto químico acima para nos situarmos – a partir do fascinante mundo da química – no dinamismo daquilo que somos. As analogias da química com a vida tal e qual são impressionantes, não fosse a química a ciência das misturas. Os átomos e as moléculas ligam-se mais ou menos, desligam-se e agitam-se… e assim dançam no tempo. A química espelha, por extrapolação, as relações humanas e aquilo que nós próprios somos: forças, ligações, oposições, atrações, repulsões, transformação, reação… E se nos situarmos na complexa triangulação pais-filhos-escola temos a química no seu esplendor: mistura (às vezes explosiva…) de potencial ligante!

A gestão da distância crítica destas relações entre os encarregados de educação, os seus educandos e a realidade escolar é de grande centralidade. Assim como na química há iões complexos (partículas de carga com estruturas menos simplificadas), assim também este triângulo relacional é, no mínimo, complexo. Temos uma escola aberta e por inerência vital dessa condição que conquistámos e não queremos perder, a escola (então um sistema aberto, como muitos dos sistemas químicos) troca matéria e energia com o que a rodeia.

Talvez possamos refletir sobre a sensibilidade do sistema face ao encontro da distância crítica ótima dos seus vários agentes, por observação dos seus exageros e caricaturas, infelizmente não raros na química das nossas escolas:Há escolas, professores e sistemas educativos (inclusive políticos) que têm medo dos encarregados de educação (se estes forem professores, ainda mais…).
Há encarregados de educação que ocupam demasiado espaço no contexto escolar, protagonizando onde não é suposto e assumindo um papel de policiamento dos professores e da vida escolar, que não é nem justo nem pedagogicamente fecundo.
Há pais com distâncias críticas muito curtas face aos seus filhos e ao seu percurso escolar (umbilicalidade que adia teimosamente a desejada autonomia) e, não raras vezes, muitíssimo preocupados com o contexto académico do aproveitamento e pouco incomodados com o alinhamento ético do que mais importa na educação.
Há encarregados de educação que entendem que “é à escola que cabe educar” e se demitem das mais elementares funções, as mais radicais das quais se praticam na família.

Como em muitos dilemas educativos, casos particulares dos dilemas da vida, procuramos um justo equilíbrio entre dois polos (mais uma vez, em ponte analógica com cargas elétricas em átomos e moléculas): a) há professores que se fecham ou abrem de mais; b) há pais que se aproximam ou afastam de mais; c) há alunos que esperam ou desesperam de mais.

Há quem chame à química a “ciência dos eletrões de valência”. Isto porque nas ligações químicas, os átomos tendem a preservar o seu cerne central e partilhar os seus eletrões (livres) que, em muitos casos, por essa radical partilha, deixam de ser seus. Seria esta uma boa analogia para os pais verem os seus filhos? Serão mesmo livres os nossos descendentes? Muitas vezes, os pais entendem, no plano intelectual, que cultivam a liberdade na educação mas, na primeira oportunidade, prendem-nos em ratoeiras de expectativa, de condicionamento, de narcisismo e de projeção da sua imagem própria (digo que quero que tenhas boas notas para o teu bem mas o que me move verdadeiramente é a minha imagem de pai ou de mãe de filho com boas notas…). Outras vezes os eletrões estão de tal maneira livres (assim acontece nos metais) que são libertinos, não possuem qualquer identidade de ligação e, como tal, não podem ter o toque amoroso de serem cuidados. Tudo isto se projeta nas relações escolares dos encarregados de educação e por tudo isto compreendemos que é tão desafiante quanto enorme a obra da educação. Valha-nos o dinamismo das transformações químicas e a mais elementar humildade e abertura ao crescimento de cada um: para pais, filhos e professores, para todos, educar é educar-se!

JP in Educação Química Textos 3 Julho, 2018

“Não precisamos de formar mais professores”: uma falácia na opinião pública que compromete a visão para o futuro. Jornal Público

Paiva, Morais e Moreira (2018).“Não precisamos de formar mais professores”: uma falácia na opinião pública que compromete a visão para o futuro. Jornal Público (26-06-2018).

 

Disponível no Jornal Público em

https://www.publico.pt/2018/06/26/sociedade/opiniao/nao-precisamos-de-formar-mais-professores-uma-falacia-na-opiniao-publica-que-compromete-a-visao-para-o-futuro-1833279

 

“Não precisamos de formar mais professores”: uma falácia na opinião pública que compromete a visão para o futuro

 

João Paiva, Carla Morais e Luciano Moreira – Universidade do Porto

 

 

O problema do (não) rejuvenescimento dos professores portugueses tem merecido reflexão* e debate, mas notam-se dificuldades na ação, principalmente no plano político e governamental. Tais constrangimentos existem, precisamente, porque, para muitos, parece que estamos a falar de um problema com contornos aparentemente insignificantes e inconsequentes, quando, na verdade, se trata de um problema absolutamente determinante para o presente e para o futuro do nosso sistema educativo. Mas são as questões estratégicas, que envolvem um horizonte a médio e longo prazo, as mais importantes; as que convocam o Estado na sua missão de garantir a sustentabilidade do desenvolvimento, do legado intergeracional e, acima de tudo, a necessária e urgente visão realista e factual no que respeita à formação de professores em Portugal.

 

Para além dos horizontes eleitoralistas, a ação política, isto é, a capacidade de propor causas e estabelecer prioridades, é afetada pela opinião pública. As ideias feitas e os argumentos infundados propagados na comunicação social não são mera espuma dos dias. Pelo contrário, contribuem para condicionar projetos políticos estruturantes. O hoje, agora e já são tratados sem ter em conta o amanhã, depois e adiante. Tal acontece, na nossa ótica, na notícia vinda a público no jornal Expresso: “Professores: uma profissão sem renovação à vista”**.

 

Vejamos em chave crítica, tendo como pano de fundo a realidade que melhor conhecemos, respeitante aos professores de Físico-Química (adiante FQ: notar que a referida notícia apresenta apenas os dados gerais e não discrimina por áreas de formação e atuação profissional; a nós interessa-nos especialmente a situação dos professores FQ, que é retratada no estudo original***). Anotamos algumas incorreções, imprecisões e dúvidas, que nos suscitam reflexão:

 

  1. A notícia refere que em Portugal se formam anualmente 1500 professores. No documento original, não encontramos estes dados referidos. Independentemente da correção do valor geral, o panorama em FQ é bastante diferente. Atualmente, em Portugal, apenas a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em conjunto com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa formam professores de FQ. O número nos últimos anos tem sido pouco expressivo. Anualmente, temos menos de uma dezena de professores formados em FQ, por ano, em Portugal.
  2. A notícia cita corretamente o estudo no que diz respeito ao rácio professor/aluno, situando-o em 10. Este rácio é comparado com os de outros países sem que seja clara a legitimidade da comparação. Tratando-se de um rácio geral (isto é, N alunos/N professores) não retrata fielmente a realidade nas escolas portuguesas. Isto torna-se evidente no caso de FQ em que o rácio é de 129 (menos elevado na realidade, considerando que nem todos os alunos escolhem a disciplina no secundário). Além disso, um eventual aumento do rácio não se traduzirá necessariamente num agravamento das condições para a maioria dos professores. Poderá muito bem incidir nas disciplinas com menos procura. Ou seja, há muitos modos de ajustar o rácio e será mesmo discutível se este deveria ser o indicador a usar.
  3. A notícia enfatiza que haverá “muito menos” entradas de professores (13 000) em comparação com a saída (30 000). Dito de outro modo, há mais de dez professores que entram para cada 30 que saem. Esta observação deve ser enquadrada com a diminuição da procura de cursos de formação de professores (nomeadamente, em FQ).
  4. Registam-se ainda imprecisões e nuances semânticas, que, em conjunto, concorrem para um tom de urgência e dramatismo associado à não apetecibilidade da profissão docente junto da opinião pública:
  5. i) Em lugar de uma perda, fruto da natalidade, de “quase menos 160 000” alunos, o estudo original aponta para exatamente 150 000 alunos.
  6. ii) Inversamente, em lugar de um universo previsível de “57 000 professores” no ativo em 2030, o estudo refere “pouco mais de 57 000”.

iii) Tanto no artigo como no estudo original, o eixo das ordenadas de vários gráficos não tem início no zero (0), dando, assim, uma impressão distorcida e exagerada, por exemplo, das saídas de professores e perda demográfica de alunos que se situa, grosso modo, em ⅕ ou dito de outro modo uma perda de dois em cada dez alunos.

 

Há uma subtileza que se prende com a oportunidade e o timing deste artigo: anuncia-se um boom de contratações até 2020 que coincide aproximadamente com o ciclo político atual. Uma outra política de contratação poderia permitir a insuflação de ar fresco de forma faseada, minimizando o vazio de contratações antecipado de forma alarmada e intencional para o quinquénio seguinte.

 

Um dos pressupostos adicionais é o de que todos os professores formados deveriam ter lugar nas escolas. Ora, o emprego a 100% dá-se apenas num conjunto restrito de profissões e é sempre explicável por razões conjunturais. Assim, não se entende a razão porque se tem feito disto bandeira no caso dos professores.

Finalmente, há numerosos professores que exercem cargos administrativos. Não sabemos qual a percentagem, natureza, muito menos a adequação proporcional à exigência das funções e consequente menor disponibilidade para a componente lectiva.

 

No caso específico dos professores de FQ, facilmente se compreende que será necessário que o Estado continue a garantir a sua formação, numa proporção que uma boa análise sócio-estatística, com pouco risco, pode indicar. Tal imperativo não resulta só do fundamental rejuvenescimento do corpo docente. É também crucial, mesmo tendo em conta as baixas demográficas previsíveis, para garantir o não vazio de profissionais na área.

 

Adivinha-se algum paralelismo e situação convergente com outros grupos disciplinares que não FQ, como a Matemática, a Biologia/Geologia ou mesmo as Humanidades.

 

O estudo referido na notícia é importante e precisa de ser analisado com o detalhe e especificidade que merece qualquer interpretação, sem habilidade estatística: há que não uniformizar o que não pode ser generalizado. Por outro lado, na sua extração mais ampla, pode e oxalá induza os decisores políticos para um olhar mais profundo e promissor. De outra forma, este estudo e principalmente as notícias que o embrulhem com extrações simplistas, acabará por ser usado como uma meia verdade que, como a vida nos ensina, é a seiva da inação, suportando a ausência de estratégia educativa de futuro..

 

A opinião pública tem também um papel importante no grau de benignidade ou toxicidade que pode adicionar à profissão docente. Ser professor é das mais nobres missões e das mais fascinantes atividades profissionais. Somar à fragilidade conjuntural que afeta o prestígio docente a ideia de que não haverá futuro profissional pode eliminar o ser professor das escolhas vocacionais dos nossos melhores jovens e, assim, ampliar o deserto da qualidade dos professores que são, sem demagogia, um dos elementos fundamentais da promoção da educação. Não há melhor garantia para um povo do que a melhor educação e, sem apostar de forma sistemática e estratégica na formação inicial de professores, não haverá o amanhã que se deseja na escola.

 

 

 

 

*https://www.publico.pt/2015/12/24/sociedade/noticia/precisase-de-juventude-nas-salas-de-professores-1718327

**http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-12-12-Candidatos-a-professor-quase-sem-emprego-a-partir-de-2020

***http://www.cnedu.pt/content/edicoes/estado_da_educacao/CNE-EE2016_web_final.pdf (pp. 348-357)