Aquele que teme a Deus honra os seus pais

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Ben-Sirá 3
«Aquele que teme a Deus honra os seus pais»

A Igreja celebra a festa da família, inspirada na própria família de Jesus. A ver pela leitura do Evangelho que se lê hoje, a família de Jesus não era isenta de tensões, de desencontros e de perdas…

O livro de Ben-Sirá apresenta-nos uma proposta de coesão familiar que marca a tradição judaico-cristã e tem grandes repercussões sociais e de organização política: “honrar os pais”.

Vamos assumir que “honrar os pais”, na sua forma mais explícita, é um apelo ainda urgente para o apoio à terceira idade, para o acolhimento dentro e fora da família dos mais frágeis, para a não descartabilidade, para o cuidado. Mais ainda, o jeito cristão de honrar Pai e Mãe supera a consideração e o sentido crítico (até as feridas) dos progenitores. Mesmo aí, o convite é para amar. Porém…

É útil, contudo, refletir sobre uma maior profundidade deste tema, sem moralismos e convocando a (holísticamente libertadora) proposta cristã.

A sabedoria da vida e a própria reflexão da ciência psicológica chamam-nos à atenção para a complexa teia familiar e para os intrincados laços, conscientes e inconscientes, das relações entre pais e filhos. Neste sentido, o de uma interpretação não só histórico-crítica mas também sistémica, os textos da Bíblia são ainda mais radicalmente não literais. Vejamos: se os pais forem bastante possessivos, castradores, chantageadores e manipuladores (e muitos assim há, mais novos ou mais velhos), não poderá ser uma libertação (para os filhos, para os pais e para as relações) romper, cortar, afastar? (apesar de ‘os ter no coração’).

Imaginemos uma Mãe ou um Pai de perfil narcisista, por isso mesmo com grande potencial “des-libertador” dos filhos. Não tendo cerimónia na linguagem, para facilitar, vamos chamar a este perfil de pais (nem por isso muito raro) “monstros”. Para suavizar (…), assumamos que todos nós, pais, temos um pedaço de “monstro” dentro de nós… A pergunta, que pode inspirar muitos filhos (todos nós) e até fazer-nos refletir enquanto ajudadores de sofrimentos familiares, é esta: alimentar o monstro é honrar os pais? Não seria maior ‘honra’, para a vítima, para o perseguidor, para a relação e para o mundo, quebrar, enfrentar, colocar os pontos nos “i”s?…

É claro que o “jeito cristão” de promover estas ruturas haverá de reservar no coração um lugar de retoma, não veicular ódio, estimular o perdão. Mas nenhum destes propósitos muitos cristãos deve tanger qualquer moralismo submisso. Honrar Pai e Mãe é caminhar em família para uma verdade que liberte e tal poderá incluir assertividades agudas, definição de fronteiras e até ampliação de distâncias: críticas, relacionais, temporais e geográficas…

Para toda esta gestão não fácil das redes familiares há que fazer um discernimento contínuo, “contar armas”, avaliar sistemática e corajosamente. Muitas vezes, há uma competição de amores e muitos poderão, por exemplo, ter de “arrefecer” a atenção aos pais, para poderem responder a outras demandas, como o cuidado da conjugalidade e dos próprios filhos. Não há super-homens, nem super-mulheres, nem super-pais nem super-filhos. Em todos os casos, a honra é a procura de uma verdade que liberte…

Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.

DOMINGO dentro da Oitava do Natal


L 1 Sir 3, 3-7. 14-17a (gr. 2-6. 12-14); Sl 127 (128), 1-2. 3. 4-5
L 2 Cl 3, 12-21
Ev Lc 2, 41-52

JP in Sem categoria 28 Dezembro, 2024

norma e liberdade

Os apontamentos morais podem ser interessantes, mas terão sempre de se sujeitar ao ‘dogma maior’ do amor e da liberdade. Se o jurídico ou o religioso não servem o amor e a liberdade, então não servem…

JP in Sem categoria 26 Dezembro, 2024

espera alegre

Talvez este dia possa ser saboreado assim, como se fosse um propósito de processo contínuo: espera alegre. Depois, viver em Natal…

JP in Sem categoria 24 Dezembro, 2024

Natal 2024

Natal 2020

Seja esta festa para todos e para cada um, a festa da ‘normalidade do espanto’.

O espanto do amor que tudo excede e a normalidade frágil e potente que somos nós.

O Belo fez-se versão humana para que o humano seja Belo.

O que falta fazer é o véu de mistério que nos permite antever, fazer e ser o desafio maior da nossa existência.

…E o resto da história está a fazer-se com as nossas vidas que, dando vida, realizam a Vida no mundo.

pôs-se a caminho

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 1, 39-45

pôs-se a caminho

Em tempos de Advento recentramo-nos em Maria, que explicita três aspetos fundamentais: fé, aceitação e risco. Maria colocou os meios ao serviço da sua missão: saiu do sofá e foi ter com alguém… a quem ajudou e através de quem foi ajudada. Seduz-nos este estilo de Maria, singelo, alegre e descomplicado. Muitas vezes estamos bloqueados e não nos colocamos a caminho. Notar que também aí Deus está connosco. Ele não está presente com condições e como resultado dos nossos méritos, mas porque nos ama, sempre. Com esta confiança, podemos também fazer a nossa parte e buscar os recursos que precisamos para ser o que podemos ser. Raramente o conseguimos sozinhos. Há neste texto um duplo movimento, inspirado em Maria: pedir ajuda sempre que precisamos, indo ao encontro das pessoas certas, que nos acolhem como nós somos. Por outro lado, sermos também nós abertos a sermos ajudadores de quem nos procura…

Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.

DOMINGO IV DO ADVENTO


L 1 Mq 5, 1-4a; Sl 79 (80), 2ac e 3b. 15-16. 18-19
L 2 Heb 10, 5-10
Ev Lc 1, 39-45

JP in Sem categoria 22 Dezembro, 2024

quiasma

Chama se quiasma à figura de estilo com elementos semânticos de forma cruzada. Tenho certa simpatia por este, que um dia me ocorreu, como duplo quiasma:

“sair da prisão de fazer o que quero e prender-me à liberdade de querer o que faço”

JP in Sem categoria 20 Dezembro, 2024

trovões na vida

Para a crença pagã os trovões eram a ira divina. Hoje sabemos que há electroestática que explica… Em salto metafórico, os trovões da nossa vida não são dramas: a existência madura e adulta concilia-se com esses feixes abruptos e pode até reconhecer-lhes, não sem estrondo ou mesmo dor, certa beleza luminosa…

JP in Sem categoria 18 Dezembro, 2024

temperatura, mudanças de estado e agitação das partículas

Há uma concepção alternativa – porventura de raiz mais escolar do que quotidiana – segundo a qual os sólidos são mais frios do que os líquidos e estes mais frios do que os gases. Basta queimar os dedos numa panela (que é sólida) para verificar que assim não é… A génese deste equívoco tem a ver com a interpretação da experiência do aquecimento de um cubo de gelo, aquecimento este que origina a água líquida e depois, se o aquecimento continuar, vapor de água. De facto, à medida que se fornece energia ao sistema, as suas partículas agitam-se mais e, porventura, ocorre mudança de estado. Mas temperatura, no olhar “zoom” dos corpúsculos que constituem a matéria, relaciona-se sempre com agitação média das partículas e não com a mobilidade dessas partículas…

JP in Sem categoria 16 Dezembro, 2024

O Senhor exulta de alegria por tua causa

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Sf 3, 14-18a
«O Senhor exulta de alegria por tua causa»

As leituras do Antigo Testamento são por vezes áridas e difíceis, mais carentes de exegese. Por mais que se compreenda e viva fascinado pela novidade de Jesus, Ele mesmo só se compreende enquanto contínuo da tradição judaica. Em certo sentido, se Jesus é a chave, o judaísmo é a porta… Este texto de Sofonias coloca-nos no cerne da fé, na alegria de Deus pela existência de cada um. É, em certo sentido, a fé de Deus nos homens. É Deus que arrisca em nós. E que libertador pode ser ter esta matriz de doação, de bênção. Sim, uma bênção com um custo. Uma rosa com espinhos. Mas, ter fé, aceitar a fé de Deus em nós, é escolher, focar-se e viver a beleza da rosa, apesar dos espinhos…

Este texto é adaptado em parte ou na totalidade de palavras anteriores já publicadas.

DOMINGO III DO ADVENTO


L 1 Sf 3, 14-18a; Sl Is 12, 2-3. 4bcd. 5-6
L 2 Flp 4, 4-7
Ev Lc 3, 10-18

JP in Sem categoria 14 Dezembro, 2024

Noé…

Assim como há ‘uma Eva’ dentro de nós (que busca a autossuficiência e a pressa na tentação de possuir a maçã) há também um Noé dentro de nós: temos dilúvios na nossa vida, podemos construir barcas onde caibamos nós mesmos e mais ainda, levar na viagem umas coisas e largar outras, ver e valorizar arco-íris no céu…

JP in Sem categoria 12 Dezembro, 2024