ser professor(a) é uma missão

Emprego a palavra «missão» aqui com particular acutilância. Trata-se da empreitada de ser construtor de um mundo melhor, só atingível através da entrega apaixonada, empática e voluntariosa, quase ao jeito sacerdotal de outras missões. Não colhi nos livros esta convicção, apesar dos textos que conheço sobre a problemática da qualificação associada ao desenvolvimento. Radica antes na experiência sensível, que associo a trabalhos de solidariedade social onde me vi envolvido com famílias degradadas, jovens toxicodependentes ou crianças delinquentes. Depois de largas horas empregues a recuperar a casa, outras infra-estruturas e alguma dignidade a pessoas carenciadas a vários níveis, regressei à minha vida anterior. Foi curioso ver o resultado do «lustro» puxado a essas pessoas. Mas, muitas vezes, voltei mais tarde e vi… muitas coisas na mesma. Não fora tempo desperdiçado; algo ficara, porque muito não se vê, mas havia em mim um vazio que, ironicamente, me mostrava a importância da escola: a raiz mais óbvia daquelas fragilidades era, precisamente, a baixa educação. O caminho deveria ser, em absoluto, esta «missão»: mais e melhor educação.

JP in Educação Frases 12 Março, 2019

sala de aula: um verdadeiro templo…

Embora consciente da determinante centralidade do aluno no processo educativo, bem como da crucialidade de todo o contexto que o envolve, assume ainda e sempre primordial importância a função do professor. Com mais ou menos inovação estética/didática/curricular/tecnológica, é relevante o palco principal em que os docentes atuam, que se chama sala de aula: um verdadeiro templo…

JP in Educação 8 Fevereiro, 2019

a porosidade da escola

A complexidade escolar contemporânea é aguda. A escola é muito ‘porosa’ a toda a sociedade, particularmente pelo fluxo esmagador de informação por via tecnológica. Pede-se aos professores o impossível e, sem querer vitimizar a docência, admito que seja particularmente difícil nos nossos dias o desafio de educar em dinâmicas tão abertas. Mas espreita sempre a nobreza da educação: se a escola é porosa é porque a vida é porosa. E será na escola, precisamente, que muitos alunos poderão ganhar filtro e resistências culturais críticas, para se protegerem e saberem viver “porosamente”…

JP in Educação Frases 16 Novembro, 2018

O Fascínio de Ser Professor

Livro editado pela Texto Editores

Referência: J. C. Paiva, O Fascínio de Ser Professor, Texto Editores, Lisboa, 2007

Para adquirir o livro contactar: https://www.leyaonline.com/pt/livros/ciencias-da-educacao/o-fascinio-de-ser-professor/

Nota: neste blog, pode haver pequenos textos constantes do livro, com etiquetas, disponibilizados ‘avulso’.

 

O Fascínio de ser Professor é, em certo sentido, uma conversa informal com o leitor. Com algum tom autobiográfico, o autor João Paiva, aborda vinte “pólos educativos”, posicionando-se (moderadamente) face a dicotomias como razões/afectos, autoridade/diálogo ou palvra/imagem. O prazer de estar em palco no teatro da educação é a seiva destas palavras. A par das reflexões e sugestões, relatam-se experiências do autor enquanto professor de química. A química é um agradável álibi: haja o que houver nas escolas e nas reformas educativas, o fascínio será sempre a mola do professor. O fascínio vai além de um jogo de pólos. O fascínio é o eixo que faz mover a escola e, assim, anima o mundo.

 

índice:

Introdução

Razão / Afectos

Saber Ciência / Saber Ensinar

Estratégias tradicionais / Computadores

Conceitos / Contextos

Sacrifício / Prazer

Compartimentação / Aptidões transferíveis

Rigidez / «Negociação»

Autoridade / Diálogo

Elitismo / Ensino de massas

Dissimulação / Transparência

Memorização / Criatividade

Professor / Aluno

Rigor / Transigência

Sala de aula / Outros espaços

Complexidade / Simplicidade

Teoria / Prática

Exames / Avaliação contínua

Palavra / Imagem

Ajuda / Autonomia

Pessimismo / Optimismo

 

Exemplo:

1. Razão / Afectos

Se nos critérios do passado «um homem não chora», seria também anunciável que «um professor não sente». A racionalidade «higiénica» terá movido a teoria e a prática das escolas: professores e alunos, firmes e hirtos, de ambos os lados da barricada da educação, durante muitos e longos anos.

Em alguns excessos do presente das nossas escolas, porém, joga-se a confusão afectiva oposta: falta racionalidade e a distância crítica dos professores, das gestões escolares e da tutela ministerial para actuar com firmeza nas muitas situações que o exigem.

Não obstante ter uma atitude de horizonte afectivo, humanista e, em certo sentido, progressista, assumo que, em educação, prefiro um sistema mais tradicional, mas seguro e coerente, do que um sistema «prá frentex», mas inconsistente, frágil e inseguro. No diálogo entre o «prá frentex» e o «prá trasex», deveria imperar o pragmático e o realista. Escolhi com a minha mulher, para os nossos três filhos, escolas com um modelo educativo de natureza tradicional. Foi melhor para uns do que para outros, mas, em geral, não estamos arrependidos. Entre a certeza de algumas competências (e exigências) mais rígidas e a dúvida de sistemas mais modernos, preferimos a primeira. Não foram «o pleno», mas o possível. Desejava um modelo misto, em que convergissem os critérios salutares do ensino tradicional, como a exigência, o rigor, a disciplina e o trabalho, com ingredientes mais inovadores e de estilo moderno, como a criatividade, o jogo, a transdisciplinaridade e o trabalho de projecto.

Na ausência de tal «padrão médio», da «fusão feliz» em que pretendo colaborar e que profissionalmente procuro protagonizar, optei por «ter o pássaro na mão». Continuando com os provérbios, achei que «não se fazem omeletas sem ovos». Não se criam textos sem conhecer as palavras, nem se é criativo matematicamente sem saber a tabuada de cor. Achei que aprender deve e pode ser agradável, mas que sem «sangue, suor e lágrimas» não se consegue aprender. Achei que queria os meus filhos felizes na escola, como na vida, mas era claro que felicidade não equivaleria a facilidade. Entendi que, na ausência do tal modelo equilibrado, era melhor proporcionar aos meus filhos bases cognitivas sólidas, apesar de pouco flexíveis, abrindo o horizonte dos afectos em casa, do que arriscar o vazio cognitivo de hábitos de trabalho que teriam de ser compensados, em casa, desgastando a relação paternal. Preferi mais «letras e números» na escola e mais afectos em casa do que o contrário: «marmelada» na escola e «luta cognitiva» em casa…

É certo que nem todos os pais têm, por vários motivos, esta possibilidade (na qual acredito e experimentei positivamente, mas que não posso generalizar…). Assim, continuo a lutar e a aspirar construir espaços educativos equilibrados, onde o rigor se mistura com os afectos e a exigência anda a par da compreensão, onde as regras existam, mas se projectem na atenção personalizada, onde a disciplina na sala de aula não trave alguma «festa».

O professor, ele próprio, para mim, deverá ser este «dois em um», promovendo atitudes e comportamentos tradicionais, misturados com outros mais inovadores, infelizmente ausentes na escola dos nossos avós. O mesmo professor que faz «o pino» ou conta uma anedota deve manter o silêncio na sala quando necessário; que passa trabalhos de casa todos os dias, mas que ri e chora com os alunos; que anula um teste copiado, mas que compreende profundamente cada aluno…

Talvez pela opção pessoal que fiz de recorrer a uma educação mais tradicionalista dos meus filhos na escola e fazer por «arredondá-la» em casa, adopto (e faço por praticar) alguma radicalidade de «negociação», inspirada em ideias da inteligência emocional (talvez mais fáceis de protagonizar em casa do que na escola).

Convém não confundir esta «negociação», de que falaremos mais adiante nas questões disciplinares, com troca ou compra de favores. Trata-se de promover o diálogo e gerir cedências, misturando, sim, o que é racional com o que é afectivo. Se um professor decidir dar um teste num determinado dia, mas os alunos não acharem tal dia favorável, por que não colocar argumentos, opiniões e alternativas sobre a mesa e, procurando ceder no que for possível, encontrar uma data consensual? Impor uma ideia só porque «quero, posso e mando», pelo facto de ser professor, raramente é o caminho certo. Às vezes, porém, quando está em causa a segurança própria e/ou dos outros ou a liberdade de terceiros, aí sim, com toda a firmeza, por mais «pena» que haja, exerça-se a autoridade. Em muitos casos a que se chegou ao ponto de usar grande autoridade, perderam-se oportunidades «negociais» anteriores, de firmeza prévia. Ilustro melhor com um exemplo: o aluno que foi alvo de um inevitável processo disciplinar por agredir um professor, começou há muito a sua escalada. Não teria ido tão longe se, quiçá na primeira aula, tivesse ouvido o que devia e/ou, num jogo de futebol envolvendo professores e alunos, por exemplo, se tivessem gerado empatias…

Thomas Gordon1 sugere uma tolerância radical e uma «tensão negocial» com os filhos que considero eficaz, quando ela é possível. Os mais críticos da linha de Gordon têm medo da falta de regras e ridicularizam as suas teses, anunciando algo que não é verdade: que o «negocial» impede a regra e que deixa de haver balizas. Há balizas, sim, as tais da segurança (criança sem cinto de segurança não viaja, por exemplo) e da liberdade de terceiros (não há margem negocial para jogar basquetebol num apartamento porque se incomodam os vizinhos). Mas, aquém das traves da baliza, nem sempre fáceis de discernir, há uma margem para diálogos e cedências que importa esgotar.

Gordon refere que, muitas vezes, à tirania dos professores e dos adultos enquanto pais (o que ele chama «Método I»), se opõe o não menos mau Método II, que é a «tirania das crianças ou dos alunos». Ele aponta-nos o Método III, baseado na referida negociação, conhecido pelo método «sem vencidos nem vencedores».

Gordon advoga que o seu modelo é aplicável na escola2, mas estou para ver, salvo excepções muito pontuais, esse modelo realizado. A complexidade social e a problemática transversal da escola são malhas difíceis. Tenho três filhos, as turmas têm 30 alunos, as escolas mais de 300. Por isso, tolero em casa o que talvez não pudesse tolerar na escola… Por isso, tenho de recorrer a estilos mais autoritários, duros ou punitivos na escola. Com os filhos, tal estilo pode bem ser um «tiro no pé», hipoteca do progresso da relação. Debaixo do telhado de casa a negociação participada e dialogante é sempre o melhor caminho. Na escola também seria, mas o tecto é demasiado grande e as histórias pessoais de cada aluno são muitas e muito complexas… E o trabalho com os alunos exige abertura dos próprios educadores, que apresentam, tipicamente, alguma resistência.

Nesta discussão, percebo o verdadeiro alcance de uma máxima: «A escola deve ser uma família». Quero até, na medida do possível, ser agente participante da sua construção. Até estar construída esta escola-família (talvez nunca…), há que criar condições para que, quem quiser, possa aprender.

Por isso, advogo que, esgotados os critérios e atitudes razoáveis e «pacíficas» para se criarem ambientes coerentes com a aprendizagem, se usem sem cerimónia os instrumentos disciplinadores que permitam que «aprenda quem quer aprender».

Os afectos podem também entrar nas próprias explorações dos conteúdos propriamente ditos. A maioria dos jogos que concebo ou uso nas aulas possui, sempre que possível, uma natureza afectiva, envolta em racionalidade. A Segunda Lei da Termodinâmica pode ser assim enunciada: a entropia de um sistema isolado aumenta. Numa abordagem qualitativa, podemos associar à entropia o grau de desordem dos sistemas. Entendemos aqui os conceitos de ordem e desordem na sua acepção mais simples. A realidade é mais complexa: fala-se de distribuição em microestados, etc. Dizer que a entropia está a aumentar é dizer, em certo sentido, que a desordem está sempre a aumentar. Os alunos estranham tal, pois observam transformações espontâneas com aumento de ordem, como a formação de cristais (partículas que ficam agregadas e organizadas a partir da situação de dissolução em água), ou a própria formação de um bebé (hino da organização celular). Porém, a segunda lei não afirma que num dado sistema a entropia não possa diminuir (aumento de ordem). Fala de um sistema isolado. Então, se sistemas se organizam é porque as suas vizinhanças se desorganizam, de tal forma que, no conjunto «sistema e vizinhanças», de facto, a entropia (desordem) aumenta. No caso dos cristais, as moléculas de água podem desorganizar-se no processo de formação do cristal. No caso do bebé, podemos dizer, em tom de brincadeira, que, na vizinhança da gravidez, o desgraçado do marido se desorganiza fortemente ao ir comprar requeijão às 3 horas da madrugada… Diz-se que a Segunda Lei da Termodinâmica nos dá «a seta do tempo», o que é bem curioso, pois a ciência responde assim a uma pergunta que um filósofo tem grande dificuldade em encarar: o tempo é aquilo que aumenta quando a entropia aumenta. Por outras palavras, hoje é hoje e não é ontem, porque há mais desordem no universo. E ontem era ontem e não hoje porque ontem havia mais ordem.

Pode intrigar-nos por que estará a desordem dos sistemas a aumentar, mas a resposta é bem simples: a desordem é mais provável do que a ordem. A propósito da Segunda Lei da Termodinâmica, costumo usar uma simulação, desenvolvida por mim e por outras pessoas, que apresenta uma espécie de jogo de flippers (Figura 1), com uma caixa bi-compartimentada, que explicarei de seguida.

O objectivo deste jogo é colocar as bolas, que se movimentam aleatoriamente, num dos compartimentos (A ou B), imprimindo ordem ao sistema. O jogo simula o chamado «demónio de Maxwell» que é uma «curiosidade científica»: este demónio não existe na realidade, mas pode ser representado no computador. Intervindo num sistema, pode criar ordem, contrariando a Segunda Lei da Termodinâmica. Com o demónio de Maxwell, o aluno pode «fintar» esta lei. Consegue ser demónio se fizer o que o universo abandonado a si próprio nunca permitiria: baixar o «entropímetro» («invenção virtual» nesta simulação para medição de entropia) ou aumentar a ordem de um sistema isolado.

O professor autoritário, que está «hirto» e não sorri, que faz da sala um quartel, parece ter pouco futuro. Está parado no tempo e não se deixa «desorganizar» minimamente, contrariando a «Segunda Lei da Termodinâmica Pedagógica». Mas, por outro lado, o professor que se equipara de forma infantil aos seus alunos, sem distância crítica e sem bom senso, não passa de um «bom rapaz». O professor fascinado, entretanto, usa com peso, conta e medida a razão e os afectos e concorre com ambos para promover a aprendizagem dos seus alunos.

JP in Educação Livros 26 Julho, 2018

“Não precisamos de formar mais professores”: uma falácia na opinião pública que compromete a visão para o futuro. Jornal Público

Paiva, Morais e Moreira (2018).“Não precisamos de formar mais professores”: uma falácia na opinião pública que compromete a visão para o futuro. Jornal Público (26-06-2018).

 

Disponível no Jornal Público em

https://www.publico.pt/2018/06/26/sociedade/opiniao/nao-precisamos-de-formar-mais-professores-uma-falacia-na-opiniao-publica-que-compromete-a-visao-para-o-futuro-1833279

 

“Não precisamos de formar mais professores”: uma falácia na opinião pública que compromete a visão para o futuro

 

João Paiva, Carla Morais e Luciano Moreira – Universidade do Porto

 

 

O problema do (não) rejuvenescimento dos professores portugueses tem merecido reflexão* e debate, mas notam-se dificuldades na ação, principalmente no plano político e governamental. Tais constrangimentos existem, precisamente, porque, para muitos, parece que estamos a falar de um problema com contornos aparentemente insignificantes e inconsequentes, quando, na verdade, se trata de um problema absolutamente determinante para o presente e para o futuro do nosso sistema educativo. Mas são as questões estratégicas, que envolvem um horizonte a médio e longo prazo, as mais importantes; as que convocam o Estado na sua missão de garantir a sustentabilidade do desenvolvimento, do legado intergeracional e, acima de tudo, a necessária e urgente visão realista e factual no que respeita à formação de professores em Portugal.

 

Para além dos horizontes eleitoralistas, a ação política, isto é, a capacidade de propor causas e estabelecer prioridades, é afetada pela opinião pública. As ideias feitas e os argumentos infundados propagados na comunicação social não são mera espuma dos dias. Pelo contrário, contribuem para condicionar projetos políticos estruturantes. O hoje, agora e já são tratados sem ter em conta o amanhã, depois e adiante. Tal acontece, na nossa ótica, na notícia vinda a público no jornal Expresso: “Professores: uma profissão sem renovação à vista”**.

 

Vejamos em chave crítica, tendo como pano de fundo a realidade que melhor conhecemos, respeitante aos professores de Físico-Química (adiante FQ: notar que a referida notícia apresenta apenas os dados gerais e não discrimina por áreas de formação e atuação profissional; a nós interessa-nos especialmente a situação dos professores FQ, que é retratada no estudo original***). Anotamos algumas incorreções, imprecisões e dúvidas, que nos suscitam reflexão:

 

  1. A notícia refere que em Portugal se formam anualmente 1500 professores. No documento original, não encontramos estes dados referidos. Independentemente da correção do valor geral, o panorama em FQ é bastante diferente. Atualmente, em Portugal, apenas a Faculdade de Ciências da Universidade do Porto e o Instituto de Educação da Universidade de Lisboa em conjunto com a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa formam professores de FQ. O número nos últimos anos tem sido pouco expressivo. Anualmente, temos menos de uma dezena de professores formados em FQ, por ano, em Portugal.
  2. A notícia cita corretamente o estudo no que diz respeito ao rácio professor/aluno, situando-o em 10. Este rácio é comparado com os de outros países sem que seja clara a legitimidade da comparação. Tratando-se de um rácio geral (isto é, N alunos/N professores) não retrata fielmente a realidade nas escolas portuguesas. Isto torna-se evidente no caso de FQ em que o rácio é de 129 (menos elevado na realidade, considerando que nem todos os alunos escolhem a disciplina no secundário). Além disso, um eventual aumento do rácio não se traduzirá necessariamente num agravamento das condições para a maioria dos professores. Poderá muito bem incidir nas disciplinas com menos procura. Ou seja, há muitos modos de ajustar o rácio e será mesmo discutível se este deveria ser o indicador a usar.
  3. A notícia enfatiza que haverá “muito menos” entradas de professores (13 000) em comparação com a saída (30 000). Dito de outro modo, há mais de dez professores que entram para cada 30 que saem. Esta observação deve ser enquadrada com a diminuição da procura de cursos de formação de professores (nomeadamente, em FQ).
  4. Registam-se ainda imprecisões e nuances semânticas, que, em conjunto, concorrem para um tom de urgência e dramatismo associado à não apetecibilidade da profissão docente junto da opinião pública:
  5. i) Em lugar de uma perda, fruto da natalidade, de “quase menos 160 000” alunos, o estudo original aponta para exatamente 150 000 alunos.
  6. ii) Inversamente, em lugar de um universo previsível de “57 000 professores” no ativo em 2030, o estudo refere “pouco mais de 57 000”.

iii) Tanto no artigo como no estudo original, o eixo das ordenadas de vários gráficos não tem início no zero (0), dando, assim, uma impressão distorcida e exagerada, por exemplo, das saídas de professores e perda demográfica de alunos que se situa, grosso modo, em ⅕ ou dito de outro modo uma perda de dois em cada dez alunos.

 

Há uma subtileza que se prende com a oportunidade e o timing deste artigo: anuncia-se um boom de contratações até 2020 que coincide aproximadamente com o ciclo político atual. Uma outra política de contratação poderia permitir a insuflação de ar fresco de forma faseada, minimizando o vazio de contratações antecipado de forma alarmada e intencional para o quinquénio seguinte.

 

Um dos pressupostos adicionais é o de que todos os professores formados deveriam ter lugar nas escolas. Ora, o emprego a 100% dá-se apenas num conjunto restrito de profissões e é sempre explicável por razões conjunturais. Assim, não se entende a razão porque se tem feito disto bandeira no caso dos professores.

Finalmente, há numerosos professores que exercem cargos administrativos. Não sabemos qual a percentagem, natureza, muito menos a adequação proporcional à exigência das funções e consequente menor disponibilidade para a componente lectiva.

 

No caso específico dos professores de FQ, facilmente se compreende que será necessário que o Estado continue a garantir a sua formação, numa proporção que uma boa análise sócio-estatística, com pouco risco, pode indicar. Tal imperativo não resulta só do fundamental rejuvenescimento do corpo docente. É também crucial, mesmo tendo em conta as baixas demográficas previsíveis, para garantir o não vazio de profissionais na área.

 

Adivinha-se algum paralelismo e situação convergente com outros grupos disciplinares que não FQ, como a Matemática, a Biologia/Geologia ou mesmo as Humanidades.

 

O estudo referido na notícia é importante e precisa de ser analisado com o detalhe e especificidade que merece qualquer interpretação, sem habilidade estatística: há que não uniformizar o que não pode ser generalizado. Por outro lado, na sua extração mais ampla, pode e oxalá induza os decisores políticos para um olhar mais profundo e promissor. De outra forma, este estudo e principalmente as notícias que o embrulhem com extrações simplistas, acabará por ser usado como uma meia verdade que, como a vida nos ensina, é a seiva da inação, suportando a ausência de estratégia educativa de futuro..

 

A opinião pública tem também um papel importante no grau de benignidade ou toxicidade que pode adicionar à profissão docente. Ser professor é das mais nobres missões e das mais fascinantes atividades profissionais. Somar à fragilidade conjuntural que afeta o prestígio docente a ideia de que não haverá futuro profissional pode eliminar o ser professor das escolhas vocacionais dos nossos melhores jovens e, assim, ampliar o deserto da qualidade dos professores que são, sem demagogia, um dos elementos fundamentais da promoção da educação. Não há melhor garantia para um povo do que a melhor educação e, sem apostar de forma sistemática e estratégica na formação inicial de professores, não haverá o amanhã que se deseja na escola.

 

 

 

 

*https://www.publico.pt/2015/12/24/sociedade/noticia/precisase-de-juventude-nas-salas-de-professores-1718327

**http://expresso.sapo.pt/sociedade/2017-12-12-Candidatos-a-professor-quase-sem-emprego-a-partir-de-2020

***http://www.cnedu.pt/content/edicoes/estado_da_educacao/CNE-EE2016_web_final.pdf (pp. 348-357)

JP in Ciência Educação Química Textos 3 Julho, 2018

Professor

PROFESSOR

Intui o professor

numa aula preparada:

viu um singelo escultor

face à obra, quase nada.

Mas o que mais o espantou

quando a aula virou vida

foi sentir que não criou

e que foi obra esculpida!

in Paiva, J. C. (2000), Este gesto de Ser (poesia), Edições Sagesse, Coimbra.

acessível aqui

JP in Poemas 30 Junho, 2018