morte e esperança
Sim, dura e triste, a morte.
Mas, sem deixar de ser morte,
pode ter rasgo de esperança.
Sim, dura e triste, a morte.
Mas, sem deixar de ser morte,
pode ter rasgo de esperança.
Hoje morreu(-me) a Tia
Hoje chorei o dia
Em que alguém (me) morreu.
Minha Tia.
Já viveu.
A cova onde jazia
Era descanso seu.
Nesse dia (me) morria
Noutro dia, já viveu.
Hoje foi a minha Tia,
amanhã serei só eu.
Hoje foi a minha Tia,
amanhã serei só eu…
abril 2021
Não tanto pelo paraíso escatológico, pelo qual não me movo, mas pela própria lei de vida, pode haver uma abertura na morte. Há duas nuances de fim de vida que podem confortar: a generosidade de dar lugar a outro no planeta; a ausência de sofrimento físico de quem parte… Mas algo me diz que pode haver um mais denso e promissor jardim, verdadeiramente pleno.
O purgatório saiu de moda e talvez ainda bem: tinha resquícios muito óbvios de crivo apertado, jugo pesado, métrica de mérito e jogo de prémio e castigo. Mas conseguiria recuperar pelo menos parte desse contexto conceptual se o purgatório fosse uma destilação amorosa da fusão entre a nossa humanidade experimentada e a Essência de Bem sempre contida… Assim sendo, não se espere mais e vamo-nos então destilando purgatoriamente…
Uma simples troca de palavras faz a Páscoa: não há como VIVER senão MORRENDO por amor…Não há como MORRER senão VIVENDO por amor…
Tenho vindo a realizar que deverá ser certo que Deus acolha no seu amor todos os que partem deste mundo (sem prejuízo de poder haver quem, até pós-morte, por imperativo de liberdade, possa recusar esse Abraço). Nas nossas liturgias fúnebres, em particular, ainda estamos muito na teologia de mérito quando o que verdadeiramente salva é a teologia da graça. A misericórdia rasga-se e será excessiva, mais ainda do que já é. Que nós mesmos, enquanto andamos a tentar realizar o sonho de Deus por aqui, nos animemos com o Alegria que já se antecipa.
Morrer
Não quero
Senão morrer!
ser trigo,
ser nada,
ser tudo.
Quero ser
somente (semente?),
vazio,
cheio
de mundo.
Eu quero
ser silêncio,
dar nada (que sou),
morrer.
Quero parar,
deitar-me,
passivo,
em paixão,
ao lado
dos homens,
sem respirar.
Inspirando,
inspirado
pelo amor.
Há uma afirmação compreensível e universal, que pode ser auto-acolhida e autovalidada: “tenho medo de morrer!”. Esta frase, porém, é radicalmente insuficiente…
Os Pais dos meus amigos
Vejo tombar
aos meus amigos
seus Pais.
Ontem baptizados e casamentos,
hoje funerais.
Ontem conheci-os,
anteontem geraram,
hoje funerais.
Seus filhos,
meus amigos,
não os verão jamais.
Hoje funerais.
Meus amigos:
uns com fé,
outros sem coisas que tais,
hoje funerais.
Meus amigos,
que abraço,
choram seus pais,
hoje funerais.
Ontem história,
hoje tempo
Amanhã eterno e mais.
Hoje, funerais.
2010