Bíblia e violência

Sobre a violência latente em certas passagens da Bíblia não vejo alternativa a uma boa hermenêutica, sujeita à tensão das leituras macro e micro. Vejamos. O ‘macro’ da Bíblia é um Deus que quer salvar, que se vai revelando (no Novo Testamento, há um êxtase na morte e ressurreição de Cristo, que polarizam tal Deus num Deus de serviço, acolhimento e amor). Este é o macro, tudo o resto se entenderá para ‘tentar dizer o que este amor não se consegue dizer’. E a revelação opera-se na complexidade que somos, cheia de virtudes e potencialidades, mas assente na contingência dos nossos limites e das nossas pulsões violentas. Deus diz-se assim: “tu podes ser tu diante de mim”. Mas “eu sou também violência, interior e exterior”. A Bíblia tinha que espelhar estas tensões, sem perder nunca o foco de ser livro de salvação…

JP in Sem categoria 24 Janeiro, 2023

eles deixaram logo as redes e seguiram-No

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 4, 12-23

«eles deixaram logo as redes e seguiram-No»

A propósito desta descrição dos seguidores próximos de Jesus, fixemo-nos na prontidão da resposta ao apelo, que é sempre um convite tão mobilizador quanto libertador. A expressão “deixou logo as redes” pode ser inspiradora. Estar prontos para deixar o que pode ser deixado e atender os outros: deixar o ritmo de trabalho para atender melhor os filhos, deixar de ter algo, para partilhar, deixar um rancor para perdoar, deixar a televisão para conversar, e muitos mais auto-recados promissores, que esperam vida para se realizarem…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO III DO TEMPO COMUM

L 1 Is 8, 23b – 9, 3 (9, 1-4); Sl 26 (27), 1. 4. 13-14
L 2 1Cor 1, 10-13. 17
Ev Mt 4, 12-23 ou Mt 4, 12-17

JP in Sem categoria 22 Janeiro, 2023

fé aberta…

O teólogo Balthasar tem uma expressão-síntese, tão simples quanto fulcral, tão cristã quanto universal: “Deus espera por todos”. Esta confiança pode ser mote existencial de vida e alimenta uma esperança comum e radicalmente aberta.

JP in Sem categoria 20 Janeiro, 2023

a “minha Igreja”…

Sou religioso, aceitando, senão mesmo rendendo-me, a uma ritualização e a uma institucionalização comunitária. Evito edificar a ‘Igreja do João Paiva’, salvo-me de mim mesmo e enriqueço-me, não sem custo, com o caminho do nós.

JP in Sem categoria 18 Janeiro, 2023

eis o Cordeiro de Deus

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 1, 2934

«eis o Cordeiro de Deus»

A expressão “eis o cordeiro de Deus” é atribuída a João Batista, o dizente de Jesus. Os Judeus tinham o hábito de matar um cordeiro como expressão sacrificial a Deus. Jesus como cordeiro, convoca continuamente as raízes judaicas mas apresenta algumas descontinuidades relevantes: não precisamos mais de sacrifícios de animais para agradar a Deus (o próprio Cristo simboliza essa entrega) e o sacrifício que importa para Deus é o amor que a vida de Jesus testemunha. “Cordeiro de Deus” é uma frase frequente na eucaristia e aponta para celebrar a mais nobre e inspiradora entrega, aquela de morrer por amor. Em semana de particular intensidade para a unidade dos Cristãos, une-nos esta essencialidade à volta da entrega de Cristo, que nos pode tornar precisamente seguidores de Cristo, precisamente cristãos…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

JP in Sem categoria 14 Janeiro, 2023

Princípio e fundamento – pessoal mas inspirado…

Os humanos – e eu próprio, bem entendido – estão a ser criados pelo amor de Deus, que só sabe amar e criar. Existimos para reconhecer esse amor criador e, assim, dar sentido à nossa vida. O mais que foi e está a ser criado nos pode ajudar neste reconhecimento amoroso. Há que viver optando, rejeitando o que nos impede de amar e escolhendo o que nos leva ao amor. Podemos voar e pousar, pois, para além das circunstâncias: “correr bem” ou “correr mal” não depende dos acontecimentos, do nosso estado de saúde, do nosso dinheiro ou do nosso estatuto. “Correr bem”, ter uma vida boa, é tirar proveito e crescer no encalço de um bem comum. Viver intensamente é procurar e trabalhar de modo a apenas desejar, buscar e escolher aquilo que nos conduz ao reconhecimento amoroso de Deus e, assim, co-realizar o sonho do amoroso criador.

PS: Sim, é quase escandalosa esta proposta para quem não tem pão para comer. Mas este caminho, na sua prossecução, implica, precisamente, a procura de uma partilha radical e a tensão de um sentido de justiça, que levará a saciar essa fome… para que, livremente (sem fome de pão) todos possam escolher viver reconhecidamente… (um outro pão…).

JP in Sem categoria 12 Janeiro, 2023

regressaram à sua terra por outro caminho

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 2, 1-12
«regressaram à sua terra por outro caminho»

Em celebração de “dia de Reis”, já depois do Natal, há vestígios ainda de “conversão”, no melhor sentido dos termos, isto é, como mudança de vida. O simbolismo dos Reis Magos terem “regressado por outro caminho” é forte: significa que aquele encontro especial (com um sentido, com O sentido…) os fez mudar trajetórias. Talvez uma das maiores riquezas da ritualização espiritual seja o radical e sistemático convite à novidade, ao confronto, à mudança de trajetória, ao “regresso por outro caminho”. Na imagem e no âmago da Igreja, nem sempre vislumbramos este espírito de mudança… Era bom cultivarmos interiormente a disponibilidade de nos tocarmos, de nos co-movermos, quando visitamos alguém, quando ensaiamos novos cenários, quando nos entregamos a novos encontros. E, diante dessas novidades, das novidades da vida, alvitrar outros regressos…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

JP in Sem categoria 8 Janeiro, 2023

Bento XVI

Morreu o papa Bento XVI e paz a sua alma. Sou fortemente marcado por Joseph Ratzinger, mas mais no especto intelectual – nada desprezível – do que na frente pastoral. Registo a sua timidez germânica quase não emocional, mas ao que parece apenas publicamente, já que há quem testemunhe que na intimidade, seria pessoa muito expressiva afetivamente. Ratzinger foi revolucionaríssimo no final dos anos 60. A sua obra de leitura obrigatória, ‘introdução ao cristianismo’ diz muito do que é ser cristão. A sua analogia do teólogo cristão como o palhaço de um circo arder, que não consegue mobilizar o povo, é para mim certeira, na própria Igreja dos nossos dias. A encíclica caritas in veritate, já como Papa, é também um documento notável, que me inspira ainda hoje. Reconheço que Ratzinger era mais visionário como jovem teólogo do que depois como Papa. Vestido de branco, não conseguiu sacudir-se das redes pantanosas do Vaticano, aqui e ali com nós dados por ele mesmo, enquanto esteve à frente da Congregação para a Doutrina da fé, onde fechou mais do que abriu.  Mas a sua atitude radicalmente profética, que ficará na história, foi a de ter abdicado do papado, num gesto humilde sem precedentes que, creio, fará escola repetida no futuro dos papas. Ratzinguer foi muito ativo no concílio Vaticano Segundo e em vários momentos contribuiu para a horizontalidade eclesial. Foi também coerente e ativo nos gestos inter-religiosos. A sua rasgada inteligência e a procura límpida de juntar fé e razão, são um legado enorme aos cristãos e à humanidade. Agradeço-lhe.

Texto usado no programa de rádio da TSF “que mundo, meu deus”.

www.tsf.pt/programa/que-mundo-meu-deus.html

JP in Sem categoria 2 Janeiro, 2023

aquele que é a Palavra fez-se homem e veio morar no meio de nós, cheio de amor e de verdade

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Jo 1, 1-18

«Aquele que é a Palavra fez-se homem e veio morar no meio de nós, cheio de amor e de verdade»

Celebramos o Natal e as escrituras empurram-nos, no melhor dos sentidos, para a festa, para a família, para o acolhimento e para a alegria. O Natal talvez nos possa inspirar para encarar o tempo que vem com mais otimismo, fazendo toda a nossa parte no entusiasmo pela vida e na responsabilidade pela justiça e pela solidariedade.
Um olhar alegre e benigno sobre si próprio e sobre cada outro poderá ajudar.
A religião, como desafio “religante” das questões “quem sou eu?” e “quem é Deus?”, ganhará com o recentramento no nascimento que celebramos.

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO: NATAL DO SENHOR

Missa da noite
L1: Is 9, 1-6; Sal 95 (96), 1-2a. 2b-3. 11-12. 13
L2: Tito 2, 11-14
Ev: Lc 2, 1-14

+ Missa do dia
L1: Is 52, 7-10; Sal 97 (98), 1. 2-3ab. 3cd-4. 5-6
L2: Hebr 1, 1-6
Ev: Jo 1, 1-18 ou Jo 1, 1-5. 9-14

JP in Sem categoria 24 Dezembro, 2022

a virgem ficará grávida e dará a luz um filho que se há-de chamar Emanuel

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 1, 18-24

«Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta: “A virgem ficara grávida e dará a luz um filho que se há-de chamar Emanuel»

Em vésperas de Natal, A leitura do Evangelho fala-nos do sublinhado da encarnação. Com a respetiva herança judaica (“tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor tinha dito pelo profeta”), queremos festejar o extraordinário de um Deus que se faz Homem, cerne do cristianismo. A teologia e a dogmática da virgindade de Maria é bastante dinâmica e está sempre afetada pela tensão entre a fisicalidade e a simbolocidade dos acontecimentos. Para a vida de que cada um de nós e de todos, importará significar este Deus que quis e quer estar na humanidade de criou e cria. É coisa de tal forma ímpar e original, este querer estar connosco, que o seu nome é e será, precisamente, Emanuel (Deus connosco).

DOMINGO IV DO ADVENTO


L1: Is 7, 10-14; Sal 23 (24), 1-2. 3-4ab. 5-6
L2: Rom 1, 1-7
Ev: Mt 1, 18-24

JP in Sem categoria 18 Dezembro, 2022