interfragilidade
Para esta crise coronavirus ocorre-me, no diagnóstico, um neologismo: interfragilidade. Para a ‘resposta’ há silêncio, há recolhimento, há reflexão, há rendição, há ação e há morte e há vida. O ‘de sempre’, em maior intensidade…
Para esta crise coronavirus ocorre-me, no diagnóstico, um neologismo: interfragilidade. Para a ‘resposta’ há silêncio, há recolhimento, há reflexão, há rendição, há ação e há morte e há vida. O ‘de sempre’, em maior intensidade…
Friedrich Nietzsche escreveu, em Humano, Demasiado Humano (1878), que “talvez as prioridades dos nossos tempos acarretem um retrocesso e uma eventual depreciação da vida contemplativa”. É curioso que o ‘filósofo ateu’ sinta a nostalgia da contemplação. Ontem como hoje, há uma sede de um outro olhar universal e talvez místico, em cada um de todos os humanos que se interrogam…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Ez 37, 12-14
«hei-de fixar-vos na vossa terra e reconhecereis que Eu, o Senhor, digo e faço»
No traço judaico-cristão, reconhecemos um Deus criador-amante, que se quer mostrar e que se quer dizer. De alguma forma, é esta a profecia que se rasga neste trecho do Livro de Ezequiel. Na fé, acolhemos um Deus-que-promete. Em tempo de Quaresma (que prepara a grande ponte entre os homens e Deus) entrevemos a morte amorosa e a ressurreição, que explicitam para os cristãos a ‘cereja no bolo’ desta profecia, deste Deus que só sabe criar amando e amar criando. E nós, por graça, podemos ser coautores da profecia…
Este Papa, que não por acaso se chama Francisco, investe numa Igreja dirigida aos pobres. Escreve uma primeira encíclica sobre a Alegria, como que dizendo que a “mola” que nos pode mover a tocar as chagas do mundo é, precisamente, a Alegria… Entenda-se: a pobreza toca, entristece e até esmaga. Mas o seu combate carece de um Encontro prévio com uma esperança que se pode sintetizar na Alegria interior…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 22
«habitarei para sempre na casa do Senhor»
«Habitarei para sempre na casa do Senhor», proclama o refrão do salmo. Este convite à fidelidade (para sempre) é dos dons mais preciosos da fé. O compromisso, a fidelidade e o ‘para sempre’ podem soar a monótono e a ‘sem aventura’. Ser fiel, porém, pode ser um permanecer que conduz a saborear terrenos de abundância. As tensões paradoxais em que vivemos (e que somos!) conduzem-nos a uma possibilidade dos extremos se tocarem. Um desses jogos dicotómicos acontece com a liberdade e com o compromisso. E se ‘ficar para sempre’ fosse uma abertura? E se a obediência fosse uma liberdade?…
Mesmo sem carregar na duvidosa concupiscência ou em dicotomias esbatíveis como corpo-alma ou terra-céu, a tentação está aí na nossa vida, devendo merecer a nossa atenção, sobretudo interior. A tentação tem potencial de crescimento e é uma corda bamba cujos pólos são a escravidão e a liberdade…
Diante de crises como a do coronavirus agudizam-se provocações existenciais e práticas que, em todo o caso, são típicas da nossa vida: face a uma realidade, por mais adversa que seja, o melhor é sempre render-nos e, criativamente, tentar crescer. No presente caso valha-nos o tempo que o tempo nos vai dar para arrumar as nossas casas, as de dentro e as de fora… Boas arrumações!
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 94
«se hoje ouvirdes a voz do Senhor não fecheis os vossos corações»
O pecado (o ‘tiro’ menos certeiro) inqiueta-nos. O afastamento do amor não nos traz paz ao coração. As palavras do salmo apelam à abertura dos nossos corações, ao rasgar de espaços interiores para ao amor de Deus. Santo Agostinho exprime de forma belíssima o confronto entre a sede de infinito e a abertura a Deus. Diz ele: “Tu, Deus, fizeste o meu coração para Ti e o meu coração não terá paz se não repousar em ti”. Confrontados com os nossos limites, com os limites dos outros, com os limites do mundo, valerá a pena repousar a nossa inquietude em Deus…
O filósofo Xavier Zubiri afirma que a realidade em si está para além do bem e do mal. É só na apreensão humana que bem e mal ganham critério. É curioso ampliar esta abordagem a realidades como o amor, a beleza e a própria revelação divina: sim, há uma doação prévia de “Algures”, mas é a captação humana que é convocada. Quem nos cria quis “precisar” de nós…
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mt 17, 1-9
«o Seu rosto ficou resplandecente como o Sol»
A transfiguração de Jesus revela com clareza a filiação de Jesus. Em chave de leitura de fé, esta cena aponta-nos o Filho de Deus. Implícito, está igualmente o convite aos que, olhando Jesus, se deixam transfigurar a eles próprios. É este também o desafio que se coloca a cada um de nós: transfigurarmo-nos, reconhecermo-nos sempre buscados e vivermos como Filhos de Deus, assemelhando-nos a Ele, nesse reconhecimento e nessa forma de viver. No limite, fruto da alegria brotante de uma vida transfigurada, o nosso rosto poderá ser “resplandecente como o Sol”. Está visto que a Quaresma, enquanto caminho de regresso a Deus, não tem a ver como rostos macambúzios…