elimina ou ilumina?
A fé não elimina mas ilumina a dor humana…
A fé não elimina mas ilumina a dor humana…
Morrer
Não quero
Senão morrer!
ser trigo,
ser nada,
ser tudo.
Quero ser
somente (semente?),
vazio,
cheio
de mundo.
Eu quero
ser silêncio,
dar nada (que sou),
morrer.
Quero parar,
deitar-me,
passivo,
em paixão,
ao lado
dos homens,
sem respirar.
Inspirando,
inspirado
pelo amor.
Ter fé está muito para além de acreditar na existência de Deus. Uma criança que está ao colo da sua Mãe não questiona a sua existência, antes goza o acolhimento maternal. A fé tem algo de semelhante: muitas vezes, o «colo de Deus» vem antes da «confirmação» da Sua própria existência…
Thomas Halik, em a “A noite do confessor” diz-nos que a fé é paradoxal e intrinsecamente dialética e escrita em chave de síntese: nem o iluminismo racional nem romantismo redondo. Não se trata de isto ou aquilo, mas do paradoxal ‘isto e aquilo’…
Foi sempre das pequenas e frágeis coisas (pedaços de pão e peixe, sementes de mostarda, grãos de trigo, esterilidades…) que se fez, na senda bíblica, o Reino de Deus. Inspirador para quem, como eu, tem muito a crescer no profundo acolhimento da sua pequenez e da fragilidade do mundo…
Sou honestamente compreensivo face aos meus amigos em retirada das “coisas de Deus”. Eu próprio partilho o dilema, mais ou menos traumático, de propostas religiosas com muito ruído. Mas invoco o insuspeito Nietzsche que, perdoe-se-me o salto, coloco em confronto com palavras do Evangelho. Escreveu Nietzsche: “o desaparecimento de uma ilusão não proporciona necessariamente uma verdade”. Dizia o apóstolo Pedro, a propósito das complexidades de seguir o Mestre: “para onde iremos, Senhor, se só Tu tens palavras de vida eternal?”
Há uma afirmação compreensível e universal, que pode ser auto-acolhida e autovalidada: “tenho medo de morrer!”. Esta frase, porém, é radicalmente insuficiente…
É bom fazer por não sofrer a dor do outro num sentido que reduza a zero a distância crítica. A compaixão move mas não seremos chamados a carregar a cruz do outro, a “cobri-lo”, a nos deixarmos tomar por essa dor… Posso acompanhar alguém que sofre e francamente ajudar. Mas a cruz do outro é sagradamente do outro e a minha convocatória não é para a carregar por ele, é para, sendo oportuno e viável, dar contributos para que ele a carregue, para que sinta e esteja acompanhado na sua jornada de luta…
O Deus em quem os cristãos acreditam e confiam e a quem, por isso, dão crédito, pode valer a pena. Os crentes não sabem explicar muito sobre o que a Ele se refere, mas o pouco que sabem é suficiente para fundamentar a sua fé. Mais do que saber explicar, procuram saber viver de acordo com os valores cristãos. Deus tem mais a ver com a sabedoria do que com o saber. Acreditar em Deus relacional, pessoal e comunitariamente, na Igreja Católica (também noutras denominações, com toda a certeza), dá aos cristãos paz e sentido para a vida. Por isso mesmo, dão crédito a Deus e à Igreja, apesar da inalcancibilidade total do primeiro e das fragilidades da segunda… O fundamento desta crença é, pois, simultaneamente, racional e relacional.
Os Pais dos meus amigos
Vejo tombar
aos meus amigos
seus Pais.
Ontem baptizados e casamentos,
hoje funerais.
Ontem conheci-os,
anteontem geraram,
hoje funerais.
Seus filhos,
meus amigos,
não os verão jamais.
Hoje funerais.
Meus amigos:
uns com fé,
outros sem coisas que tais,
hoje funerais.
Meus amigos,
que abraço,
choram seus pais,
hoje funerais.
Ontem história,
hoje tempo
Amanhã eterno e mais.
Hoje, funerais.
2010