ouro e pedra
Para a cultura yoga o desapego material expressa-se em ideias como a possibilidade de atingir a sensação plena e vivida de que o ouro não vale mais do que uma pedra. Inspirador…
Para a cultura yoga o desapego material expressa-se em ideias como a possibilidade de atingir a sensação plena e vivida de que o ouro não vale mais do que uma pedra. Inspirador…
Paiva, J. C. (2022). Hoje só posso escrever sobre a guerra e a esperança… Site Ponto SJ, 28-02-2022.
Tinha, em versão preliminar, um conjunto de reflexões escritas para o ponto sj, mas são agora minudências eclesiais… Vão ficar para mais tarde, até porque poderão mudar de sentido.
Os desafios em cima da mesa são muitos, novos e enormes. Mesmo no cenário mais otimista de desfecho rápido da invasão e do fim da guerra, o mundo, a Europa, o nosso país, a Igreja e todos nós estaremos diante de uma nova realidade, que vai pedir novas perguntas e novas e exigentes respostas.
É verdade que para alguns de nós, o sempre novo e a sempre nova resposta é o Evangelho. A fragilidade aguda, a crueldade humana no seu expoente maior, a dor, o desespero e a morte, terão sempre, em chave cristã, um paradoxal apontamento para a esperança e para a essencialidade do Amor. Porém, sucederam-me, depois de uma espécie de congelamento atónito naquele (futuramente histórico) dia de 24 de fevereiro de 2022, alguns apontamentos não sistemáticos, que partilho despretenciosamente:
1 – O mundo vai mudar muito
É inevitável. Se amanhã o exército russo recuar ou houver uma degradação interna da Rússia (a minha esperança maior, apesar de tudo, quiçá alavancada pelas Mães dos soldados…), o mundo já não é nem ficará o que era. É preciso que Put(-)in (não se escamoteie a sua crucial responsabilidade) seja put-out e ninguém sabe como tal vai acontecer. O primado da desconfiança prudente entre os povos ganhará novos contornos e um novo ciclo histórico, de consequências imprevisíveis, acontecerá. A leitura do passado e até as intuições do presente, remetem-nos para lições que se retiram dos conflitos, mas o balanço da guerra, sejamos realistas, será sempre negativo e brutal. Se somos cada vez mais, em todo o lugar e em todo o momento, cidadãos ligados e em comunicação, então a mudança geopolítica será uma mudança também em cada comunidade e em cada pessoa. Os ciclos da história apontam-nos para uma ainda maior fragilização dos mais frágeis, assim como com a pandemia, mormente ainda com a guerra.
2 – Quanto mais lento o fim da guerra, mais prejuízo sócio-económico
Já se adivinham as consequências desta guerra no plano económico-social. Os efeitos boomerang das sanções económicas e o elevado custo da energia vão fazer disparar preços e tornar os pobres mais pobres. Há ainda um impacto indireto, de médio longo prazo, que me parece incontornável: haverá algum sentido crítico sobre o gasto dos estados mais desenvolvidos nos dinamismos de proteção social, em comparação com outras dimensões, como a da segurança. Do ponto de vista político, será muito provável assistir a deslocação de verbas de pensões sociais e outras rubricas de promoção humanista para segurança e defesa. Quanto mais tempo durar a guerra, mais estas tendências se intensificam. Não sendo nem óbvio nem desejável, o envolvimento bélico de países da NATO traria esta preocupação para escalas absolutamente desesperantes.
3 – A solidariedade sustentável como caminho
A solidariedade, desde logo por mandato evangélico, mas de convocatória generalista e humanista, vai tornar-se ainda mais urgente. Esta é uma oportunidade de fraternidade que funciona como avesso do hiperconflito à escala global. Convirá somar à positiva emocionalidade do espírito de compaixão e partilha uma efetiva sustentabilidade, racionalidade e operacionalidade do que vai importar empreender. A sociedade civil, o estado e as forças regionais deverão harmonizar-se e apostar na planificação inteligente de todas estas novas demandas. Passarão numa primeira instância pelo acolhimento dos cidadãos ucranianos que nos chegarem (esteve irrepreensível, a este propósito, o primeiro-ministro de Portugal – não levou o meu voto nas últimas eleições, mas leva sem hesitação um rasgado elogio na sua ação e intervenção nesta crise). Mas rapidamente a malha de acolhimento dos mais desfavorecidos vai ser convocada para todos os cidadãos – que serão mais – em fragilidade social. A Igreja e as instituições a ela ligadas, com enraizada e efetiva ação a este nível em Portugal, serão convocadas a fazer ainda mais e melhor.
4 – Novos olhares sobre a segurança
Há uns tempos manifestei a alguém uma opinião muito pessoal, mais ou menos nestes termos: “eu, que fiz a tropa e não a acho tão má como a pintam, via com bons olhos o serviço militar (ou cívico) obrigatório em Portugal. A minha motivação prende-se com certa educação social para a privação, a obediência e o sentido de pertença comum das novas gerações. Mas sei que não há condições eleitorais para propor isso”. Pois muito bem, retiro o que disse na última parte. Antevejo nova revalorização de toda a relevância militar que espero, agora, não se torne também excessiva e desproporcionada, como se de um 8 para 80 se pudesse tratar…
Há uma importante reflexão a (re)fazer sobre a designada “guerra justa”, triangularizadora da política, da justiça e das religiões. Já estava na ordem do dia, mas poderá ganhar mais valor.
5 – Algumas oportunidades para a valorização do lado espiritual da vida humana
Somos seres espirituais, independentemente da manifestação religiosa de cada um e de cada povo. A fragilidade humana, mais privada ou mais coletiva, convoca sempre esta dimensão, reduto de interioridade, de refúgio, de encontro e de sentido. As religiões, por outro lado, poderão ser reconvocadas para (ainda mais) protagonismos de diálogo e de paz. A ida do Papa Francisco ao embaixador da Rússia em Roma (em vez de o mandar chamar, como é prática diplomática), no seu pé titubeante, é, por si só, um gesto de paz, pleno de simbolismo e sentido.
É límpido, também hoje e principalmente hoje, que só o amor é a resposta. Nesta circunstância, qualquer um de nós tenderá a sacudir os seus lados mais fúteis. Sem relevar o impacto brutal, aos mais variados níveis, daquilo que está a acontecer, particularmente para os atores da guerra no terreno, sejam ucranianos ou russos, situamo-nos diante da fragilidade aguda e da morte. Como a vida nos foi ensinando, face a outras (mais pequenas) mortes: não há alternativa existencial a viver acreditando e a acreditar vivendo que o sofrimento não é a última palavra. A nossa resposta, a nossa oração, a nossa vida (que continua…), a nossa ação, serão, hoje como ontem e amanhã, as mesmas de outras guerras. Para onde iremos, Senhor do amor, se só tu tens palavras de vida?…
O teólogo ortodoxo Olivier Clément faz referência às inspirações bíblicas de um “corpo animado” e de uma “alma vivente”. Este “dois em um”, no sentido inverso ao da dualidade corpo/alma, tão negativamente marcada na tradição cristã, é um convite à integração: (a menos de melhores termos) é corpo E alma. Também espreita certa ontologia essencial: não temos corpo e alma, SOMOS CORPO (relações) e ALMA (vida).
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 6, 39-45
«Por que é que tu reparas no cisco que está na vista do teu semelhante, e não vês a trave que está nos teus próprios olhos?»
A mais radical humildade é o convite central desta passagem do evangelho de Lucas: a verdade de mim mesmo, os meus próprios limites. Ajuda ter este cenário de fundo nos exercícios críticos das mais variadas organizações: escolas, sistemas políticos, famílias, Igreja. Há sempre um ‘efeito buberangue’ que convém ter em conta. Por exemplo, eu vejo, julgo e digo (talvez bem e justamente) que “eles” não ligam muito aos mais desprotegidos, indefesos ou pobres; e eu?…
NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.
L1: Sir 27, 5-8 (gr. 4-7); Sal 91 (92), 2-3. 13-14. 15-16
L2: 1 Cor 15, 54-58
Ev: Lc 6, 39-45
Amar, posso sempre…
Espetro
O espetro
é esperto
pois diz
o que é
a sua raiz.
A luz,
acertada,
dança
com matéria,
na esperança
de ir perto.
O que sai
dessa dança
é coisa
bem séria:
dançam
os átomos,
com a radiação,
o espetro
te dá
a informação.
Transporta
consigo
o que é,
donde vem,
e dados
escondidos
que vão
mais além.
O teu espetro,
óh humano,
o outro
é que sente,
não é improviso.
Sincero, a metro
teu espetro
de gente
será
um sorriso…
in Paiva, J. C., Quase poesia quase química (2012) (e-book). Lisboa, Sociedade Portuguesa de Química.
acessível aqui (porventura enriquecido com uma ilustração)
Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 6, 27-38
«amai os vossos inimigos»
Poucos duvidam que a leitura da passagem de Lucas 6, congrega a mais difícil (mas também a mais original) “empreitada cristã”: a centralidade do perdão, que é (hiper)doar, pode também ver-se neste prisma de amar os inimigos. Neste texto há um conjunto de frases quasi-sinónimas, que, apesar de radicais e quase contra-natura, podem ser inspiradoras: “fazei bem aos que vos odeiam”, “abençoai os que vos amaldiçoam”, “orai por aqueles que vos injuriam”, “a quem te bater com uma face, apresenta-lhe a outra”, “a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica”, “ao que te levar o que é teu, não reclames”… Falam por si… Não devendo cair em “alimentação de monstros” nem em submissões indignas, poderão ser caminho de liberdade.
NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog
DOMINGO VII DO TEMPO COMUM
L1: 1 Sam 26, 2. 7-9.12-13.22-23;Sal 102 (103), 1-2. 3-4. 8 e 10. 12-13
L2: 1 Cor 15, 45-49
Ev: Lc 6, 27-38
Paradoxalmente, a fruição do momento presente, para ter qualidade, não é voraz, mas austera…
Há um (quase) mistério com o alumínio. Usa-se em janelas e outros materiais, precisamente para evitar a corrosão. No entanto, é dos materiais que oxida mais facilmente e, por isso, entra em imediata e extensa corrosão. Onde está a nuance? É que, precisamente por oxidar facilmente, qualquer pedaço de alumínio cria uma película de óxido de alumínio. Este óxido, ao contrário de outros, é impermeável ao oxigénio e protege a efetiva corrosão sucessiva. Isto é, quando estamos a olhar para alumínio, estamos a ver, de facto, uma peça metálica revestida por uma película de óxido de alumínio, transparente e impermeável ao que permite a corrosão. Em rigor, nunca de nós viu alumínio metálico sem estar protegido por óxido de alumínio… e só numa câmara de vazio se conseguiria tal. “olha alumínio!”: Esquece, já estás a ver óxido de alumínio… Quase tudo o que é… já era. No alumíno, este dinamismo é “só” muitíssimo rápido…
A pobreza espiritual é libertadora: é a abertura ao que acontece, à novidade. São as mãos vazias. É um certo ‘nada’ que acolhe como dom aquilo que o tempo e o espaço oferecem. Não é passividade, é uma pró-atividade que tenta melhorar o mundo com a riqueza da surpresa acolhida…