«não separe o homem o que Deus uniu»

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se o texto Mc 10, 2-16

«Não separe o homem o que Deus uniu»

Uma reflexão sobre o casamento e a proposta católica: o apontamento para a indissolubilidade do matrimónio religioso (um conceito de insinuação química, por sinal…) parece-me um tesouro a guardar, um convite a manter e um processo a trabalhar continuamente, também pelo valor antropológico, cristão e sociológico que contém.

Acontece que, como muitas propostas evangélicas, trata-se de algo libertador mas exigente e radical. Muitos casamentos católicos podem não ter sido devidamente entendidos e vivenciados (era bom criar as condições de acesso pleno e popular a uma eventual declaração de nulidade). Ou as possibilidades reais, de cada um, dos dois, do acumular de circunstâncias e fragilidades, podem ter-se tornado insuportáveis. Chegados a esse ponto (não inócuo, para todos), em todo o caso tentando não banalizar, vulgarizar e ‘saltitar’, importa mais, à boa maneira de Cristo, o potencial de crescimento e recomeço do que o martírio culpabilístico, legalista e excluidor. A Igreja, sinal do amor de Cristo no mundo, é convidada a ajudar a ‘fazer as malas’, avaliar criticamente, amparar, acolher e estabelecer bases (elas próprias exigentes e carentes de trabalho interior e relacional) para efetivos recomeços integrativos.

JP in Espiritualidade Textos 2 Outubro, 2021

um credo…

creio num Deus

que vou tateando.

Que sabe apenas

criar e amar.

Que se toca

… e que toca

… e se deixa tocar.

Que caminha

… caminhando.

Que cria, amando

… e que ama, criando.

Fornos, setembro 2019

JP in Espiritualidade Poemas 30 Setembro, 2021

olhar-copo

A cultura zen fala de olhar flecha (incisivo, ativo e analítico) e olhar-copo (aberto, passivo e abrangente). No ocidente, mais atreitos ao primeiro, estimulemos o segundo…

JP in Espiritualidade 28 Setembro, 2021

as vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se II Tg 5, 1-6

as vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça

O texto da epístola de Tiago alude à precariedade da materialidade e à fragilidade da acumulação. A Bíblia, no Antigo e no Novo Testamento, aponta, em inúmeras passagens, para a fragilidade do ter, face à força do ser. Para aqueles que leem estas palavras e já possuem alguma cultura espontânea de austeridade e a quem a vida já ensinou que vale muito pouco a pena acumular, convém abrir uma outra porta, que nos conserva sempre uma positiva inquietação: é que há ainda muitos humanos no nosso planeta que não têm os mínimos e a quem seria imoral pedir qualquer desprendimento. É legítimo que esses desejem ter o mínimo que nunca tiveram e de que precisam. Não chega, portanto, sermos modestos e austeros (embora seja um ponto de partida importante). Parte do movimento de todos nós, mesmo dos menos materialistas, é incentivar e empreender genuínas partilhas, à escala global. Essa partilha, sim, é garantia que a traça não corrói…  

JP in Espiritualidade Frases 26 Setembro, 2021

mistério

Não desgosto da palavra mistério. Não que o mistério sirva para pararmos, para nos afogarmos ou para perdermos o norte da tentativa da razão. Mas o mistério é a óbvia constatação de que somos uma casa especial: com muitas janelas, mas algumas, imanando luz, pelo menos para já, não se podem entreabrir.

JP in Espiritualidade Frases 24 Setembro, 2021

Não sou o que queria ser

Sou elefante indiscreto

e queria ser um inseto.

Sou pavão exuberante

e queria ser rastejante.

Sou às vezes um trator

e queria ser uma flor…

2020

JP in Poemas 22 Setembro, 2021

decisão…

Uma não decisão, muitas vezes, prejudica mais do que uma má decisão. Basta pensar, com potencial analógico, no trânsito das cidades: mais valia uma decisão, mesmo que de infração, para evitar aquele engarrafamento…

JP in Frases 20 Setembro, 2021

se alguém quer ser o primeiro, tem que se tornar o último

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Mc 9, 30-37

se alguém quer ser o primeiro, tem que se tornar o último

Este jogo de ser primeiro e ser o último (e vice versa) não é fácil de jogar. Mas há qualquer coisa de fascinante em perder (para ganhar), mais rico do que o óbvio ganhar (talvez para perder). Conta-se que Pedro Arrupe, há quase um século, quis ser o primeiro a sair do autocarro onde seguia com outros companheiros para se instalarem num colégio. Chegou em primeiro ao espaço (ganhar?) e abriu todos os quartos apressadamente para ser o primeiro a escolher um lugar (ganhar?). Procurou bem, viu todas as instalações e escolheu convictamente… o pior quarto (perder?). Alegrava-o poder proporcionar aos outros o melhor espaço (perder?). Deve ter dormido com uma paz particular (ganhar?…).

JP in Espiritualidade Frases 18 Setembro, 2021

Reacção

Reação

 

Sou química.

O meu desejo maior

é o de me

transformar.

Planta

que morre

cresce.

Assim acontece

se me deixo

transformar.

Sou química…

in Paiva, J. C., Quase poesia quase química (2012) (e-book). Lisboa, Sociedade Portuguesa de Química.

acessível aqui (porventura enriquecido com uma ilustração)

JP in Ciência Poemas Química 16 Setembro, 2021