Não é um Deus de mortos, mas de vivos

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 20, 27-38

«Não é um Deus de mortos, mas de vivos»

Os sadoceus colocam a Jesus uma pergunta deveras difícil: qual dos sete irmãos que casaram sucessivamente com a mesma mulher a irá “possuir” depois de morrer. A lógica e a aritmética dos sadoceus tem todo o sentido e é um bom ingrediente para justificar o seu cepticismo quanto à Ressurreição. Jesus apresenta-nos uma ideia diferente, que aponta para uma outra lógica e para um outro quadro de referência depois da morte. Nenhum de nós sabe o que se passará mas acreditamos que esta nova vida que nos espera terá a ver com o Amor, que é o próprio Deus. Podemos experimentar um aperitivo desse encontro, entre-tanto re-velado: já nesta vida, quando estamos a ser construtores do sonho de Deus, em relação com todos os seres humanos e com a natureza. Um “Deus dos vivos”, portanto…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO XXXII DO TEMPO COMUM



L1: 2 Mac 7, 1-2. 9-14; Sal 16 (17), 1. 5-6. 8b e 15
L2: 2 Tes 2, 16 – 3, 5
Ev: Lc 20, 27-38 ou Lc 20, 27. 34-38

JP in Sem categoria 6 Novembro, 2022

Posso rezar pelo milagre do fim da guerra?

Paiva, J. C. (2022). Posso rezar pelo milagre do fim da guerra? Site Ponto SJ, 01-11-2022.

Disponível aqui

Já existem no Ponto SJ algumas reflexões sobre esta temática da oração em tempos de guerra, como aquela que aponta para a oração pelo fim dos tiros. Tendo a associar-me aos argumentos apresentados, mas permito-me outro olhar, de alguma forma convergente, como que ampliando a questão: não há milagres pelos quais possamos rezar?

A oração é sempre um tatear. O ponto inicial e constante sobre oração é este mesmo: rezamos toscamente e, como tal, somos apenas aprendizes de oração. Na tradição da Igreja há referências inspiradoras, de experiências místicas e não só, que evidenciam esta fragilidade de partida no gesto orante. A lucidez dos próprios santos sempre os trouxe a este lugar da intrínseca inabilidade da oração. Rezar é uma aproximação com o seu quê de artística: é um dinamismo que resulta da dança dos pincéis que somos na tela branca e livre da doação amorosa de Deus. Neste sentido, o terreno dialético da oração é deliberadamente vago e aberto. A resposta à pergunta que dá título a este pequeno texto é ‘sim’. Na realidade, claro está, podemos rezar pelo que quisermos… Mas para o autor destas palavras, a oração aflita pelo milagre extraordinário, no cenário privado da doença ou no cenário público da guerra, soa a uma certa insuficiência.

O milagre, a teologia e a ciência são uma trilogia complexa e não raras vezes mal entendida e, sobretudo, mal comunicada. Uma das nuances dos milagres, como em subtilezas congéneres, parece mesmo estar no (multi)significado da palavra. Se nos concentrarmos nas definições típicas de um dicionário, a palavra milagre, de alguma forma, apresenta relação com três atributos: 1) causa de espanto; 2) potencial simbólico; 3) evento não explicável no quadro das leis naturais e da ciência atual (ela mesma, ciência, forte e segura mas sempre ‘provisória’. Tenho tendência a valorizar o lado espantoso e maravilhante dos milagres, bem como o seu potencial simbólico. Desvalorizo, pelo contrário, a não explicabilidade (científica?) dos milagres. A não explicabilidade não é o toque de Deus e a ciência é radicalmente provisória… Neste sentido, rezar pelo que espanta, reconhecer o que espanta e ligar-me ao que espanta, parece-me ser um bom caminho.

Há metodologias inspiradoras para rezar, que nos podem ajudar. Sabemos que se pode rezar em todo o lugar, na reserva do quarto, comunitária e publicamente ou caminhando na rua. Importa o corpo e o espírito, sendo que a procura de certo silêncio e abertura interiores são itens de qualidade para a oração. Apesar de rezar ser muito da ordem íntima e por isso pessoal, é bom puxar mais no nós do que no eu. Podemos ainda convocar certa persistência e, com alguma relação de cumplicidade, convém atribuir à oração disciplina, em tempo e espaço inegociável. Gosto de começar e acabar tudo o que diga respeito à oração com o oxigénio do reconhecimento agradecido.

Convoco para esta conversa uma expressão pitoresca: “não me apetecia esta guerra…”. Não sei se ouvi esta expressão tal e qual, mas recordo-me de uma parecida, aquando da pandemia, agora lida como uma espécie de antecâmara em miniatura dos dilemas que a guerra traz: “estou farto da pandemia”. Há um lado natural e até saudável na expressão dos nossos sentimentos e das nossas emoções, na vida, nas relações e, portanto, na oração. A oração, aliás, tem espaço para tudo e, como tal, também para os nossos desabafos. Mas a precariedade (existencial e teológica) desta postura, pode ajudar-nos a iluminar a oração… Auto-centrar-me nas minhas angústias, sem cultivar janelas de respiro, e convocar Deus para me (nos) resolver os problemas operacionais da existência, é uma espécie de “meter deus no bolso” (Bonhoeffer diria que equivocamente procuramos um “deus tapa-buracos”). Não é muito recomendável instrumentalizar a transcendência e a potencialidade e o alcance da oração pendem-nos algo diferente: a abertura que abrimos na oração é um outro e maior horizonte…

Deus teima em apostar amorosa e misteriosamente na liberdade dos homens: uma liberdade que pode tocar, como na cruz de Jesus, a maior das crueldades, a mais cínica das injustiças… E é nesta bebedeira, com clamor e paciência, que a oração se amadura, na paz e na guerra da nossa existência.

Da minha fragilidade orante – reconheço-me numa certa excessividade, a este nível do que peço na oração – encontro-me nem melhor nem pior do que outros estilos de oração cristã. Aponto duas linhas de força sobre a minha miséria de crente rezador: a) já não gasto tempo a chamar à atenção a Deus do que o mundo precisa. Ele sabe bem, endemicamente presente nas entranhas de toda a humanidade. Convoco na minha oração o que vivo, vejo e sinto, mas não preciso de lhe recordar nada… Deus grita e a minha oração é para que eu abra os ouvidos; b) também deixei de rezar por coisas como ‘que acabe a guerra na Ucrânia’. Vou numa outra linha, mais apontada para minha responsabilidade e crescimento e englobando a nossa comunidade. Por exemplo: “que nos abramos à esperança e à generosidade, nas pequenas e grandes coisas, que se gerem contágios amorosos de paz, beleza, solidariedade, esperança e amor. Que eu não perca a força e a coragem de continuar a amar… e assim responda às dilacerantes bombas, as distantes e as que caem perto daqui de onde estou. Que a nossa comunidade, comigo incluído, se abra à esperança, à conversão ao essencial, à atenção… à vida”.

Se me foco, aflito, na urgência milagreira do fim da guerra e perco a noção da grandeza da pequenez, não terei tocado o mistério da experiência de Deus. Se não alcanço o milagre de ver e me alimentar com o detalhe das nervuras dum ordinário trevo, estarei longe do milagre do fim da guerra. Vale a pena poder rezar-vivendo e poder viver-rezando. A guerra da vida, do tempo e do espaço, importa – e eu estou no meio dela. Mas a guerra cuja recruta me chama está cá dentro: e rezar é lutar para aceitar, amorosamente, ser um soldado do sonho amoroso de Deus. A esse milagre acolhido nos candidatamos, por esse milagre rezamos.

JP in Sem categoria 4 Novembro, 2022

foi hospedar-se em casa de um pecador…

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 19, 1-10

«Foi hospedar-se em casa de um pecador…»

Ao chamar Zaqueu e ficar em sua casa, Jesus fornece-nos, entre outras, duas pistas importantes relacionadas com a sua própria missão de revelar Deus aos homens, revelando-Se: primeiro, não fez o que é comum, o que todos fazem ou o politicamente correcto. Por outro lado Ele aceita (neste caso até procura) aqueles tidos como pecadores públicos, indo ao seu encontro, aceitando ficar em sua casa. Esta passagem impele-nos hoje a privilegiar contatos com os mais excluídos que precisarem de nós: marginalizados na escola ou na família, estrangeiros, pessoas de diferentes etnias, paroquianos mais “originais”, vizinhos mais difíceis, são “zaqueus” que esperam por nós… E cada um de nós, claro está, é, ao mesmo tempo, um (pequeno-enorme) Zaqueu que precisa de Alguém.

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO XXXI DO TEMPO COMUM

L1: Sab 11, 22 – 12, 2; Sal 144 (145), 1-2. 8-9. 10-11. 13cd-14
L2: 2 Tes 1, 11 – 2, 2
Ev: Lc 19, 1-10

JP in Sem categoria 30 Outubro, 2022

…por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 18, 9-14 

«…por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano»

Este trecho de Lucas puxa por todos nós, como num espelho. Distraídos, olhando criticamente os outros, estamos a milímetros de uma super-auto-consideração… Na perspectiva espiritual, entende-se como a relação com Deus, esse tateamento que só progride na verdade do que somos, precisa de gente disposta a olhar para si com menos defesas de qualquer superioridade. A consciência de que somos publicanos (comuns carentes) pode tornar-nos mais livres para acolher a confiança (comuns crentes…).

DOMINGO XXX DO TEMPO COMUM



L1: Sir 35, 15b-17. 20-22a (gr. 12-14.16-18);
Sal 33 (34), 2-3. 17-18. 19 e 23
L2: 2 Tim 4, 6-8. 16-18
Ev: Lc 18, 9-14

JP in Sem categoria 22 Outubro, 2022

O nosso auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra…

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Slm 120

«O nosso auxílio vem do Senhor, que fez o céu e a terra…»

Quando se reza o credo na missa, de alguma forma nos encontramos com este salmo: “Deus criou (e está a criar) o céu e a terra”. Nada dizemos sobre as origens de tudo o que existe e a Bíblia não é o livro indicado para indagar sobre esse assunto (será melhor perguntar à ciência que, ainda que provisoriamente, nos dá boas pistas sobre a origem e a evolução da humanidade e do cosmos). O auxílio que vem do Senhor, porém, contém mas ultrapassa o alívio existencial de reconhecer O criador. É que este auxílio, na crença cristã, tem uma presença concreta e real, espelhável no espaço e no tempo, sistemática e contínua (Espírito Santo). Reconhecer-me auxiliado, incondicionalmente, pode ser uma fonte de liberdade.

DOMINGO XXIX DO TEMPO COMUM



L1: Ex 17, 8-13; Sal 120 (121), 1-2. 3-4. 5-6. 7-8
L2: 2 Tim 3, 14 – 4, 2
Ev: Lc 18, 1-8

JP in Sem categoria 16 Outubro, 2022

Voltou atrás, glorificando a Deus…

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 17, 11-19

«Voltou atrás, glorificando a Deus…»

A leitura do Evangelho fala-nos de “voltar atrás para agradecer”, fala-nos de gratidão e humildade. Mas pode ser explorado pela diferença entre ‘curar’ e ‘salvar’. Em certo sentido, estes dez leprosos foram curados (com a provisoriedade que isso implica… iremos todos morrer…) mas, apenas um, o que regressa, terá sido salvo, isto é, terá encontrado (melhor, reconhecido) um sentido ultimo para o significado da sua vida. Reconhecer este encontro agradecido é, de facto, o cerne da nossa fé, o centro da nossa vida… reconhecido e agradecido…

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO XXVIII DO TEMPO COMUM

L1: 2 Reis 5, 14-17; Sal 97 (98), 1. 2-3ab. 3cd-4
L2: 2 Tim 2, 8-13
Ev: Lc 17, 11-19

JP in Sem categoria 8 Outubro, 2022

valor do inter-religioso

As múltiplas tradições religiosas, sem levar à desidentidade, podem inter-enriquecer-nos. Os sublinhados de cada tradição são potencialmente inspiradores. Por exemplo: as tradições orientais valorizam a nossa dimensão de corpo e de silêncio; a tradição cristã valoriza-nos a conceptualização e o compromisso social; as tradições aborígenes apontam-nos a relação com a natureza…

JP in Sem categoria 4 Outubro, 2022

Fizemos o que devíamos fazer…

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 17, 5-10

“Fizemos o que devíamos fazer…”

Colocarmo-nos como “servos inúteis” pode parecer um tanto radical e até violento. Talvez até ‘desauto-estimante’…O significado destas palavras, porém, é de crucial importância na vida espiritual. Se não tivéssemos consciência de que tudo é graça, se não devolvêssemos a Deus os frutos do nosso amor, estaríamos, tão só, cheios de nós próprios. Não seríamos nem servos … nem úteis!…

NOTA: Este texto é repetido/ajustado a partir de evento já publicado neste blog anteriormente.

DOMINGO XXVII DO TEMPO COMUM


L1: Hab 1, 2-3; 2, 2-4; Sal 94 (95), 1-2. 6-7. 8-9
L2: 2 Tim 1, 6-8. 13-14
Ev: Lc 17, 5-10

JP in Sem categoria 2 Outubro, 2022

havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 16, 1931

«havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias»

O confronto do homem rico (de quem não sabemos o nome, porque seremos todos nós, possuidores das nossas riquezas…) com Lázaro (o pobre com feridas por cuidar) é central no desafio cristão. O problema do homem rico não era vestir púrpura e linho fino. O seu problema, era que Lázaro estava no seu horizonte e ele não o olhava. A riqueza de saúde, dons e bens torna-se infernal se nos auto-centra e se nos enche de insaciedade. Há “lázaros” para estarmos atentos, aproximarmos e cuidarmos. Seremos sempre medíocres na atenção aos mais pobres, seja qual for a sua pobreza. Mas é precisamente aí, na chaga do que falta, que as nossas mãos ganham sentido e que a riqueza se pode converter em doação.

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO XXVI DO TEMPO COMUM

L1: Am 6, 1a. 4-7; Sal 145 (146), 7. 8. 9. 10
L2: 1 Tim 6, 11-16
Ev: Lc 16, 19-31

JP in Sem categoria 24 Setembro, 2022

quem é fiel nas coisas pequenas

Na liturgia católica romana deste fim de semana escuta-se Lc 16, 1-13

«quem é fiel nas coisas pequenas»

O convite é simples mas radical: ser fiel nas pequenas coisas, como nas grandes. Na realidade, num olhar de unidade e totalidade, não há pequenas nem grandes coisas, pequenas nem grandes causas. Há um desafio global e uno à coerência, em todos os momentos, em todos os desafios. Cada Segundo e cada gesto são, neste sentido, sagrados. Talvez um dos nossos grandes equívocos de auto-perceção e olhar do mundo seja avaliar metricamente de mais. Por isto, a maioria dos místicos fazem referência ao detalhe, ao tempo e à própria natureza. Grande causa a merecer a nossa fidelidade amorosa pode ser lavar a louça, andar, cuidar, respirar…

NOTA: Este artigo é repetido/adaptado de um outro já publicado neste blog

DOMINGO 15 DO TEMPO COMUM

L1: Am 8, 4-7; Sal 112 (113), 1-2. 4-6. 7-8
L2: 1 Tim 2, 1-8
Ev: Lc 16, 1-13 ou Lc 16, 10-13

JP in Sem categoria 18 Setembro, 2022